terça-feira

NIXON

NIXON (Nixon, 1995, Cinergi Pictures/Hollywood Pictures, 192min) Direção: Oliver Stone. Roteiro: Oliver Stone, Stephen J. Rivele, Christopher Wilkinson. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Brian Berdan, Hank Corwin. Música: John Williams. Figurino: Richard Hornung. Direção de arte/cenários: Victor Kempster/Merideth Boswell. Produção: Oliver Stone, Clayton Townsend, Andrew G. Vajna. Elenco: Anthony Hopkins, Joan Allen, Powers Boothe, Ed Harris, Bob Hoskins, E.G. Marshall, David Paymer, Paul Sorvino, Mary Steenburgen, David Hyde Pierce, J.T.Walsh, James Woods, Dan Hedaya, Saul Rubinek. Estreia: 20/12/95

4 indicações ao Oscar: Ator (Anthony Hopkins), Atriz Coadjuvante (Joan Allen), Roteiro Original, Trilha Sonora Original

Oliver Stone tem a obsessão de dissecar a alma ianque através de seus ídolos ("The Doors"), seus traumas ("Platoon" e "Nascido em 4 de julho") e - a julgar pelo recente "W" e por "Nixon", lançado em 1995 - de seus líderes. Polêmico como sempre, o cineasta vencedor de dois Oscar de direção encontrou na história do mais controverso dos presidentes norte-americanos o material ideal para exercitar seus radicais pontos de vista. Apedrejado pelos puristas - que o acusaram de distorcer fatos históricos em prol de suas teorias - o filme tampouco encontrou seu público, não rendendo nem metade de seu orçamento e dividindo a crítica. Apesar disso - e da sua duração excessiva - é um importante e interessante documento sobre uma das figuras mais complexas da história dos EUA, que comandou seu país durante alguns de seus mais sombrios momentos.

O roteiro do filme, indicado ao Oscar por sua complexa estrutura - que apresenta acontecimentos verídicos mesclados com uma grande parcela de licenças poéticas - começa às vésperas da renúncia do presidente Richard Nixon (Anthony Hopkins), consequência direta do malfadado escândalo Watergate. Enquanto fica remoendo suas culpas e tentando encontrar uma maneira de sair intacto do processo de impeachment pelo qual está passando, Nixon passa em revista toda a sua vida, desde a infância pobre - e a perda precoce dos dois irmãos - até a reeleição para presidente da República, passando pelos inúmeros fracassos políticos e pelo relacionamento com seu porto seguro, a esposa Pat (Joan Allen). Extremamente talentoso como orador, Nixon sofria, no entanto, de uma rejeição grande por parte do eleitorado. Como diz um de seus assessores em determinado momento, "é de se imaginar o quão grande ele seria se as pessoas gostassem dele."

O retrato que Oliver Stone faz de seu biografado não é exatamente agradável, ainda que tente, em certas ocasiões, fugir da crítica explícita. O que provavelmente desagradou aos fãs do ex-presidente foi sua caracterização como um homem inseguro, egocêntrico e por vezes até mesmo covarde. Como um Narciso às avessas, Nixon, apesar de considerar-se (e ser) o homem mais poderoso do mundo jamais conseguiu desvencilhar-se do misto de admiração e inveja que sentia por John Kennedy. Em uma sintomática afirmação, ele declara a um quadro do mais querido líder da história americana: "Quando eles olham pra você, eles veem o que querem ser. Quando olham para mim, veem o que eles são." Na voz poderosa e na atuação inacreditável de Anthony Hopkins, essa talvez seja a frase que melhor define a personalidade dúbia do homem que, mesmo depois de ter sido praticamente escorraçado da Casa Branca, foi enterrado com pompas de grande estadista.



Usando e abusando de seu estilo próprio de contar uma história - estilo este que tem tantos fãs ardorosos quanto detratores aguerridos - Oliver Stone transforma "Nixon" em um exercício de paciência. São mais de três horas de duração que, ao contrário de "JFK", não passam voando. A trajetória de Nixon é tão repleta de acontecimentos importantes que fez-se necessário ao roteiro um número infindo de detalhes que, para quem não é especialista em história dos EUA (ou seja, a maioria esmagadora da audiência) soam como grego. Ao fugir do didatismo, Stone esbarra justamente nesse grande senão: são tantos nomes, tantas personagens e tantas datas que fica difícil ao público médio acompanhar tudo da maneira ideal. Enquanto o filme trata da vida pessoal do protagonista - em um belo preto-e-branco - não há maiores problemas, mas toda vez que o roteiro se concentra nas reuniões políticas entre o presidente e seus correligionários a coisa começa a ficar lenta demais, mesmo com a edição ágil e a trilha sonora impecável de John Williams ajudando o máximo possível. Dirigindo o filme como se fosse um suspense, Stone mais uma vez acerta na técnica, mas peca no excesso de informações.

Para sua sorte - e da plateia - novamente o cineasta escalou um elenco acima de qualquer crítica. Joan Allen foi indicada ao Oscar de coadjuvante por seu retrato de Pat Nixon, mesmo que, segundo pessoas próximas da real primeira-dama tenham discordado da forma com que o roteiro a tratou. Paul Sorvino - irreconhecível sob pesada maquiagem - vive com absurda propriedade Henry Kissinger e Bob Hoskins rouba a cena na pele do chefão do FBI J. Edgar Hoover. Mas nada é mais impressionante do que a interpretação extraordinária de Hopkins no papel-título. Mesmo sendo britânico - o que causou uma onda de protestos - Hopkins deixou pra trás americanos típicos para ficar com o papel central e não apenas conquistou elogios rasgados como também concorreu ao Oscar. Dificilmente Jack Nicholson, John Malkovich, Tom Hanks, Robin Williams e Warren Beatty, por melhores atores que sejam, seriam capazes da entrega que Hopkins apresenta em cena. As sequências em que, tal como uma trágica personagem shakespereana, o presidente sente-se traído, solitário e abandonado mostram um dos grandes atores do mundo em um de seus trabalhos mais ricos.

"Nixon" talvez não interesse à grande maioria do público, aquela que lota as salas de cinema em busca de divertimento. É um filme forte, realizado com um senso estético apurado e um tema relevante e controverso. Pode não dialogar o tempo todo com a verdade, mas até mesmo essa dubiedade combina com a personalidade que retrata.

2 comentários:

Equipe Cinema Detalhado disse...

Sou um fã incrível do Hopkins! Não conhecia essa versão, mas prometo que vou procurar! abs!

Equipe Cinema Detalhado disse...

Me ensina dar a opção de permitir que o leitor receba emails de acompanhamento?

abs!

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