quinta-feira

AS BRUXAS DE SALEM

AS BRUXAS DE SALEM (The crucible, 1996, 20th Century Fox, 124min) Direção: Nicholas Hytner. Roteiro: Arthur Miller, peça teatral homônima de Arthur Miller. Fotografia: Andrew Dunn. Montagem: Tariq Anwar. Música: George Fenton. Figurino: Bob Crowley. Direção de arte/cenários: Lily Kilvert/Gretchen Rau. Produção: Robert A. Miller, David V. Picker. Elenco: Daniel Day-Lewis, Winona Ryder, Joan Allen, Paul Scofield, Bruce Davison, Rob Campbell, Jeffrey Jones, Frances Conroy. Estreia: 27/11/96

2 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Joan Allen), Roteiro Adaptado

Em 1953 os EUA estavam passando por um de seus períodos mais negros: fomentadas pelo famigerado senador Joseph McCarthy, denúncias a respeito de supostos atos comunistas cometidos pelos membros da indústria do cinema pipocavam por todo lado, destruindo carreiras importantes e minando amizades até então tidas como eternas. Qualquer mero ato considerado suspeito era o bastante para que artistas de talento inquestionável perdessem as oportunidades de trabalho - Elia Kazan, por exemplo, colaborou com o governo delatando inúmeros colegas, o que lhe custou o respeito que havia adquirido como cineasta (e ele tentou limpar a barra com o espetacular "Sindicato de ladrões"). Com uma dose admirável de oportunismo (no bom sentido), o dramaturgo Arthur Miller escreveu "As bruxas de Salem", uma de suas obras-primas. Ao contar a história da vingança de uma mulher abandonada, Miller usou-a como um disfarce para uma trama que, nem tão por debaixo dos panos assim, é na verdade uma história sobre a paranoia que tomou conta da capital do cinema.

Adaptada para o cinema em 1957 - em uma versão estrelada por Simone Signoret e falada em francês para fugir da censura norte-americana - a peça de Miller ganhou uma nova versão para as telas em 1996, adaptada por seu próprio autor e dirigida por Nicholas Hytner - que tinha em seu currículo o prestigiado "As loucuras do Rei George". Ao ter sua ação estendida para fora dos limites impostos por um palco, o texto teve a sorte de manter sua força original, contrariando a regra que faz com que adaptações teatrais mantenham seu ranço verborrágico e estático. Em sua vigorosa adaptação para as telas, "As bruxas de Salem" é um avassalador conto sobre o poder destruidor da mentira, e conta com atuações impressionantes de seus atores centrais.

Tudo começa quando o Reverendo Parris (Bruce Davison), pároco da pequena cidade de Salem, Massachussets, flagra sua sobrinha Abigail Williams (Winona Ryder) e outras adolescentes do lugar, dançando em volta de uma fogueira durante a noite. Para fugir de um castigo, Abigail inventa que estava possuída por um espírito demoníaco invocado por sua empregada oriunda de Barbados, Tituba (Charlayne Woodard). Aproveitando a onda de histeria que toma conta do lugar - quando atos inocentes são julgados como provas de bruxaria - ela convence até mesmo o rígido Juiz Thomas Danforth (Paul Scofield, sensacional em cada cena) de que a esposa de Proctor, Elizabeth (a impecável Joan Allen, indicada ao Oscar de coadjuvante) também está envolvida em atos anti-cristãos. Aos poucos, a cidade divide-se entre quem está do seu lado e aqueles que não acreditam em suas mentiras, mas fingir acaba sendo sua última alternativa para evitar a forca.



"As bruxas de Salem" lembra, em sua estrutura, a comédia "O alienista", escrita por Machado de Assis em 1882, onde um médico que chega a uma pequena cidade do interior acaba internando praticamente a população inteira, diagnosticados como loucos. Aqui, Miller dá ênfase à histeria que toma conta de pessoas até então pacatas no momento em que precisam lutar por suas vidas ou integridade física. Abigail Williams ilustra com perfeição a máxima de Nietzsche que diz que "o mundo não conhece fúria maior do que a de uma mulher abandonada". Interpretada visceralmente por Winona Ryder - certamente no melhor papel de sua carreira - Abby é uma jovem que toma consciência tardiamente das consequências de suas mentiras mas mesmo assim não desiste de mantê-las. Na peça original de Miller, a personagem tinha meros 12 anos de idade enquanto John Proctor era quase sexagenário - mudança providencial no roteiro cinematográfico para evitar menções à pedofilia. No filme de Hytner, Proctor é menos vil, quase heróico em sua tentativa de manter-se íntegro e ético mesmo quando vê sua vida desmoronar. E Elizabeth é uma vítima inocente do furacão provocado pela ex-amante do marido, em uma interpretação quase silenciosa de Joan Allen, demonstrando seu imenso talento.

"As bruxas de Salem" é uma metáfora poderosa sobre um dos momentos mais vergonhosos da história do cinema americano. Mas é, acima disso, um filme dotado de uma força própria e de uma inteligência ímpar. Um dos melhores filmes da safra 1996 de Hollywood, infelizmente esquecida pelo Oscar e ignorada pelo público. Merece ser descoberto!

6 comentários:

Anônimo disse...

Este é um filme que eu gostaria de ver com certezaaaa! Mas a minha lista de filmes que quero ver cresce em PG!!! Aí eu fico atrasada em relação aos outros cinéfilos! ahuahuahua

beijos!

Silvano Vianna disse...

Daniel Day-Lewis é aquela coisa um cara que faz poucos filmes, mas sempre escolhe bons projetos e sempre esta bem em cena. Winona Ryder até que vai bem nesse longa, gosto da química dela com o Day-Lewis.

Paulo Veras disse...

Gostei do seu blog cara. Voltarei mais vezes aqui. Abraços

Cine Mosaico disse...

Gosto bastante desse filme. Inteligente, forte e corajoso. Recomendo.

:: Felipe Martins ::

Paulo disse...

Filme maravilhoso, mas difícil. Não é à toa que, como você mesmo afirmou, foi e é ignorado pelo grande público. Diria que isso acontece não só pela sua inteligência, mas também pelo fato de ser uma experiência bastante forte para quem assiste. Para aqueles que não conhecem a história por trás da obra, o que resta é um filme apavorante em sua histeria, fanatismo e injustiça.

Cristiano Contreiras disse...

Esse me chocou tanto que demoro a querer revisá-lo, muito doloroso! Melhor papel mesmo de Ryder! e Day Lewis merecia um oscar aqui. abs

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