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O ESPELHO TEM DUAS FACES

O ESPELHO TEM DUAS FACES (The mirror has two faces, 1996, TriStar Pictures, 126min) Direção: Barbra Streisand. Roteiro: Richard LaGravenese, roteiro original de "Le miroir a deux faces", de André Cayatte, Gérard Oury. Fotografia: Andrzej Bartkowiak, Dante Spinotti. Montagem: Jeff Werner. Música: Marvin Hamlisch. Figurino: Theoni V. Aldredge. Direção de arte/cenários: Tom John/John Alan Hicks. Produção executiva: Cis Corman. Produção: Arnon Milchan, Barbra Streisand. Elenco: Barbra Streisand, Jeff Bridges, Lauren Bacall, Pierce Brosnan, Mimi Rogers, George Segal, Brenda Vaccaro, Elle Macpherson. Estreia: 16/11/96

2 indicações ao Oscar: Atriz Coadjuvante (Lauren Bacall), Canção Original ("I finally found someone")
Vencedor do Golden Globe de Atriz Coadjuvante (Lauren Bacall)
Vencedor do Screen Actor Guild Award de Atriz Coadjuvante (Lauren Bacall)

Todo mundo em Hollywood - e até mesmo muita gente fora de lá - sabe que Barbra Streisand não é uma pessoa exatamente fácil de lidar. Histórias a respeito de seu egocentrismo e de seu perfeccionismo não faltam a quem teve a oportunidade de trabalhar com ela (e até mesmo seu ex-marido e pai de seu filho, o ator Elliot Gould, quando indagado a respeito do pior emprego que tivera respondeu prontamente: "fui casado com Barbra Streisand!"). Em 1996, o diretor de fotografia Dante Spinotti foi mais uma vítima da atriz/cantora/diretora/produtora: em meio às filmagens de "O espelho tem duas faces", foi demitido (devido às famosas divergências artísticas) e substituído por Andrzej Bartkowiak, assim como já havia acontecido com o ator Dudley Moore, que perdeu seu lugar no elenco para George Segal.

Levando em consideração toda essa dança das cadeiras, é de admirar que "O espelho tem duas faces" funcione tão bem. Apesar de não ser nem de longe o melhor momento das carreiras de Streisand e seu galã Jeff Bridges, é uma comédia romântica que tem na inteligência seu maior trunfo e que, nadando contra a corrente da eterna obsessão de Hollywood pela juventude eterna, aposta em um casal de protagonistas maduros, interpretados por atores de verdade e não por símbolos sexuais inexpressivos. Bridges - que ficou com o papel para o qual Harrison Ford foi pensado - e Barbra Streisand, segundo reza a lenda desmentida por eles mesmos, tiveram rusgas nos bastidores, mas isso não transparece no resultado final. O filme seguinte de Streisand após sua tentativa frustrada de ganhar um Oscar como diretora - o drama "O príncipe das marés" - é engraçado, romântico e dono de brilhantes diálogos. E isso é mais do que é oferecido normalmente aos fiéis fãs do gênero.

Gregory Larkin (Jeff Bridges exercitando seu timing cômico com razoável sucesso) é um professor de Matemática que, a despeito de seu charme junto às mulheres, passou por repetidas frustrações amorosas. Buscando uma companhia feminina que não atrapalhe o funcionamento de sua rígida rotina (ou seja, uma mulher sem atrativos sexuais que o desviem de seus objetivos profissionais), ele publica um anúncio em uma revista. Quem responde o anúncio é Claire Morgan (Mimi Rogers), que acredita que Larkin é o par perfeito para sua irmã mais velha, Rose (Barbra Streisand exagerando um tantinho em sua performance). Dona de uma baixíssima auto-estima - principalmente devido às críticas de sua mãe Hannah (Lauren Bacall), uma ex-beldade - Rose dá aulas de Literatura na Universidade de Columbia e seu discurso sobre as falsas esperanças criadas em relação ao amor romântico convence Larkin de que é ela quem ele procura. Depois de um tempo como amigos, eles se casam, mas tem expectativas diferentes em relação ao casamento: enquanto Gregory realmente deseja apenas uma companhia, Rose anseia por amor e paixão, justamente o que ele repudia. Quandoa situação torna-se insustentável, o improvável casal precisa saber o que fazer com seu relacionamento.



Streisand não é uma diretora genial ou mesmo inventiva. A forma como conduz a narrativa de seu filme é clássica, privilegiando enquadramentos que lhe favoreçam esteticamente ou até mesmo apelando para alguns exageros dramáticos (a cena em que cobre um espelho depois da rejeição de Larkin é um exemplo dessa afirmação, com a música de Marvin Hamlisch soando fora de propósito). Mas não há como elogiar sua segurança em comandar seu elenco, dos protagonistas aos coadjuvantes: Lauren Bacall dá um show como Hannah, a mãe que vê sua beleza esvair-se com o tempo e se vinga destruindo o amor-próprio da filha (suas falas são as melhores e a viúva de Humphrey Bogart conquistou sua primeira indicação ao Oscar por seu trabalho) e Mimi Rogers nunca esteve tão radiante e engraçada. Dando apoio a um Jeff Bridges leve como poucas vezes se viu nas telas e uma Streisand menos eficiente do que em "O príncipe das marés" mas ainda assim uma atriz competente e sensível, os atores secundários do filme pontuam com correção um roteiro que diverte e emociona na medida certa. É um filme romântico para adultos que preferem finais felizes.

Inspirado em um pouco conhecido filme francês, o roteiro de Richard LaGravenese (que também adaptou "As pontes de Madison" para as telas) conquista pelos diálogos espertos e pelo romantismo assumido. Mesmo que sua cena final de certa forma desminta propositalmente o discurso de Rose em uma de suas aulas (com Puccini tocando em alto e bom som na noite nova-iorquina) é impossível ficar imune ao charme da história contada por Barbra Streisand, que, pelo jeito, sabe exatamente o que quer de seus colaboradores. Se todos os que agem com essa certeza quase ditatorial assinassem filmes com a qualidade de "O espelho tem duas faces", seria bem mais fácil perdoá-los.

Um comentário:

Imaginauta disse...

Texto interessante que me alertou sobre alguns aspectos do filme os quais haviam passado batido. Bacana mesmo! Gosto muito de "O espelho tem duas faces". É sempre um prazer revê-lo.
Abraços.

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