segunda-feira

KINSEY - VAMOS FALAR DE SEXO


KINSEY (Kinsey, 2004, Fox Searchlight Pictures, 118min) Direção e roteiro: Bill Condon. Fotografia: Frederick Elmes. Montagem: Virginia Katz. Música: Carter Burwell. Figurino: Bruce Finlayson. Direção de arte/cenários: Richard Sherman/Andrew Baseman. Produção executiva: Francis Ford Coppola, Kirk D'Amico, Michael Kuhn, Bobby Rock. Produção: Gail Mutrux. Elenco: Liam Neeson, Laura Linney, Peter Sarsgaard, Timothy Hutton, Chris O'Donnell, Oliver Platt, John Lithgow, Tim Curry, Veronica Cartwright, Julianne Nicholson, John Krasinski, Luke McFarlane, Dylan Baker, Lynn Redgrave. Estreia: 04/9/04 (Festival de Telluride)

Indicado ao Oscar de Atriz Coadjuvante (Laura Linney)

Nascido em 1894 e morto em 1956, o entomologista e zoológo norte-americano Alfred Kinsey publicou, em 1948, um estudo detalhado sobre a sexualidade masculina que escandalizou a sociedade dos EUA. Em 1953, repetiu a dose, dessa vez focando sua atenção às mulheres. Uma das mais controversas personalidades do século XX, o cientista é, também, o protagonista de "Kinsey - Vamos falar de sexo", dirigido pelo mesmo Bill Condon que escreveu os roteiros dos premiados "Deuses e monstros" e "Chicago". Elogiado pela crítica ianque, o projeto não fez grande barulho nas bilheterias e tampouco conseguiu fazer o sucesso esperado nas cerimônias de premiação - com exceção de uma duvidosa indicação ao Oscar de coadjuvante para Laura Linney, passou batido pelos tapetes vermelhos. Mas é competente ao extremo, dotado de um senso de ironia raro e, melhor ainda, ousado na medida certa.

Ao concentrar seu roteiro no período mais prolífico das pesquisas de Kinsey - com um pequeno prólogo mostrando a juventude do protagonista - Condon tem a felicidade de poder se dedicar com ênfase tanto ao lado profissional quanto doméstico do cientista, sem ter que compactar em duas horas toda uma vida repleta de controvérsias e problemas pessoais. Contando com uma atuação excepcional de Liam Neeson - injustamente esquecido pela Academia - o filme começa mostrando a adolescência e a juventude do cientista, criado por um pai repressor (grande momento de John Lithgow), seus estudos de zoologia, o casamento com aquela que lhe acompanharia pela vida toda (Laura Linney) e a descoberta de sua real vocação: o estudo da sexualidade humana. E é a partir daí que "Kinsey" mostra a que veio. Com uma edição inteligente e um roteiro ágil, Condon conduz sua trama de forma um tanto didática, mas jamais enfadonha. Quando surge em cena seu colaborador Clyde Martin (Peter Sarsgaard), um jovem bissexual que se envolve tanto com o cientista quanto com sua mulher, tudo se torna ainda mais interessante.

 

Ao inserir no roteiro a possibilidade de Kinsey experimentar na carne toda a teoria de seu vasto estudo - e Condon nem precisou inventar nada disso, o que é ainda melhor - o filme ganha em peso e dramaticidade. Ao se ver quase obrigada a dividir o marido com outro homem (com quem também se envolve sexualmente), a personagem de Laura Linney dá a atriz a chance de sair da sombra de Neeson e mostrar um trabalho igualmente poderoso. E, sob tudo isso, há a ironia subjacente que faz com que os colaboradores do cientista comecem a sentir que o objeto de sua pesquisa tem muito mais poder sobre suas vidas (e seus casamentos) do que supunham a princípio. Esse efeito que o sexo causa em todos eles é a prova de que "Kinsey" não é apenas uma biografia, e sim um estudo sobre o sexo em si - e tudo que ele movimenta. Não foi à toa que o protagonista chegou à capa da revista Time e provocou polêmica por onde passou. Falar sobre sexo nos anos 40 em uma América ainda mais pudica do que a de hoje era corajoso e quase temerário - em vários momentos de seu filme, o diretor espalha cenas em que Kinsey era alvo de piadas e preconceito (e é especialmente interessante a cena em que um de seus colegas abandona uma entrevista por recusar-se a ouvir o relato de um pedófilo). A neutralidade de Alfred Kinsey diante de seus objetos de estudo só cai quando ele ouve o agradecimento de uma mulher de meia-idade que revela ter mudado de vida graças a ele. Com uma interpretação emocionante de Lynn Redgrave, essa cena - já no final da projeção - resume toda a importância do protagonista para a sociedade ocidental.

Longe de ser uma biografia quadradinha e sem graça, "Kinsey" é um belo exemplo de que um roteiro consistente, um diretor talentoso e um elenco bem escalado fazem muito mais por um filme do que orçamentos milionários e piadas apelativas. Mesmo tocando em um assunto que ainda hoje assusta os mais pudicos, é um filme imperdível e brilhantemente atual.

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