quinta-feira

ACOSSADO

ACOSSADO (À bout de souffle, 1960, SNC, 90min) Direção: Jean-Luc Godard. Roteiro: Jean-Luc Godard, estória de François Truffaut. Fotografia: Raoul Coutard. Montagem: Cécile Decugis. Música: Martial Solal. Produção: Georges de Beauregard. Elenco: Jean-Paul Belmondo, Jean Seberg. Estreia: 16/3/60

Urso de Prata de Melhor Diretor (Jean-Luc Godard) no Festival de Berlim

Há mais em comum entre "Os incompreendidos", de François Truffaut e "Acossado" - o filme de estreia de Jean-Luc Godard - do que simplesmente serem ambos dirigidos por críticos da renomada revista Cahiers du Cinéma e serem os primeiros estandartes do que viria a ser chamada de Nouvelle Vague francesa. À parte a maneira descompromissada e então moderna de narrar suas histórias, Truffaut e Godard dividem também a proeza de elegerem como protagonistas de seus filmes personagens bem mais próximos à realidade do que aqueles com que Hollywood brindava seus espectadores. Tanto o Antoine Doinel criado por Truffaut quanto o Michel Poiccard inventado por Godard - e incorporado de forma inesquecível por Jean-Paul Belmondo - são, cada um à sua maneira, marginais incapazes de moldar-se a um mundo cujas regras lhes parece obsoleto e careta (mais ou menos o que os próprios cineastas achavam do cinema clássico europeu que tanto criticavam em suas resenhas).

Enquanto Doinel ilustrava sua insatisfação com pequenas mentiras na escola que, de forma crescente acabam por levar-lhe a delitos maiores, Poiccard está mais à sua frente. Vivendo de expedientes, sem moradia fixa e roubando carros por uma Paris filmada de forma seca mas sempre fascinante, ele começa o filme assassinando um policial durante uma fuga, mas, ao contrário do que se poderia esperar, não entra em desespero: procura uma espécie de namorada, a americana Patricia (Jean Seberg, encantadora), que trabalha vendendo o New York Herald Tribune e tenta convencê-la a juntar-se a ele em seu objetivo em sair do país. A jovem, independente e com sonhos de tornar-se jornalista, não compartilha do mesmo entusiasmo do rapaz, o que os acaba levando a um impasse enquanto buscam dinheiro para a deserção.


Levando-se em conta que Godard desprezava o classicismo exagerado das produções francesas de então, não deixa de ser surpreendente que a trama de seu primeiro filme seja tão simples e quase clichê, inspirada nitidamente nos thrillers americanos. O que o separa do corriqueiro, no entanto, não é sua história e sim a maneira anárquica e quase irresponsável como ela é contada. Abdicando quase completamente de luz artificial, usando câmera na mão - o que não era tão comum como é hoje - trabalhando sem um roteiro e apelando para a pós-sincronização do som (o que lhe dá um toque de modernidade ao invés de amador). Sua edição arrojada (que usa e abusa de jump cuts) - e hoje é imitada à exaustão sem que a maior parte da audiência dê a Godard o devido reconhecimento por isso - é outro ponto crucial na tentativa do cineasta de romper com o tradicional, ainda que muito dessa criatividade venha do orçamento irrisório com que realizou seu filme: enquanto frequentemente corta de uma pessoa para ela mesma, Godard também se dá ao luxo de dispender preciosos minutos em uma longa conversa em um quarto de hotel, onde explora a química entre seus dois protagonistas.

Enquanto Jean Seberg exibe sua beleza andrógina, de cabelos bem curtos e sem maquiagem, mas nunca deixando de lado sua fragilidade, Jean-Paul Belmondo exala charme e um cinismo emprestados de Humphrey Bogart - ídolo de seu personagem e uma das inúmeras referências que desfilam pelo filme. Em uma bela sequência, por exemplo, Patricia cita William Faulkner, dizendo "entre a dor e o nada, prefiro a dor", o que acaba sendo uma pista do destino de seus personagens - e a ironia de tudo é o trágico fim da atriz, que suicidou-se em 1979, quando viu sua carreira entrar em declínio.

"Acossado" não é para ser visto com olhos de hoje. É preciso levar-se em consideração sua coragem em quebrar paradigmas visuais e narrativos para melhor compreender sua importância. E tanto ele é muito mais forma que conteúdo que uma refilmagem desnecessária batizada de "A força do amor", estrelada por Richard Gere nos anos 80 foi um fiasco total e absoluto.

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