quarta-feira

ILHA DO MEDO

ILHA DO MEDO (Shutter Island, 2010, Paramount Pictures, 138min) Direção: Martin Scorsese. Roteiro: Laeta Kalogridis, romance de Dennis Lehane. Fotografia: Robert Richardson. Montagem: Thelma Schoonmaker. Figurino: Sandy Powell. Direção de arte/cenários: Dante Ferretti/Francesca Lo Schiavo. Produção executiva: Chris Brigham, Laeta Kalogridis, Dennis Lehane, Gianni Nunnari, Louis Philips. Produção: Mike Medavoy, Arnold W. Messer, Martin Scorsese. Elenco: Leonardo DiCaprio, Mark Ruffalo, Michelle Williams, Ben Kingsley, Max Von Sydow, Patricia Clarkson, Jackie Earle Haley, John Carrol Lynch, Elias Koteas, Emily Mortimer, Ted Levine. Estreia: 13/02/10 (Festival de Berlim)

Nenhum fã de cinema de verdade pode, em sã consciência negar o fato de que Martin Scorsese é um dos cineastas mais geniais em atividade em Hollywood. Quem duvida só precisa dar uma conferida na lista de algumas de suas obras-primas e perceber que esta não é uma declaração leviana: "Taxi driver", "Touro indomável", "A última tentação de Cristo" e "Os bons companheiros" são filmes essenciais do panorama do cinema americano dos últimos 40 anos. Por isso não deixa de ser decepcionante assistir-se a "Ilha do medo", seu primeiro trabalho pós-Oscar por "Os infiltrados". Nem mesmo o fato de basear-se em um espetacular romance de Dennis Lehane (que também escreveu "Sobre meninos e lobos", filmado por Clint Eastwood) salva o filme de ser apenas um esboço do que poderia ter sido, caso escolhas mais corretas tivessem sido feitas no processo de produção.

Talvez o maior erro do filme seja a escolha de Leonardo DiCaprio para o papel principal. Novo queridinho de Scorsese - substituindo sem o mesmo brilho sua parceria com Robert DeNiro nos anos 70 e 80 -, o astro de "Titanic" ainda não consegue convencer como adulto, sempre deixando capenga filmes que poderiam ter sido melhores com outro ator em seu lugar (alguém duvida que "O aviador" poderia ter sido infinitamente melhor com alguém do porte de Edward Norton, por exemplo?). Sendo assim, mais uma vez ele atrapalha o resultado final. Não que seja mau ator, apenas é um tanto limitado, incapaz de alçar voos maiores. Aqui mesmo ele alterna momentos de puro tédio com alguns lapsos de brilhantismo (uma pena que tão poucos).



Mas não se pode culpar apenas DiCaprio pelos equívocos do filme. A própria trama é intrincada o bastante para servir maravilhosamente bem a um romance, mas como roteiro, tropeça em seu excesso de informações, levando o espectador para tantas direções diferentes que em determinado momento a impressão que se tem é que nem mesmo a roteirista sabe pra onde está indo. O próprio clímax demora tanto a acontecer que, quando ocorre, não tem mais o impacto que teria caso tivesse acontecido uns bons minutos antes. O livro de Lehane (lançado no Brasil com o apropriado título de "Paciente 67" e relançado com o nome do filme - uma prova da falta de criatividade das editoras nacionais) é excepcional, com surpresas constantes e um ritmo invejável. Sua adaptação, no entanto, sofre do mesmo mal da maioria das adaptações: é fiel à trama, mas não busca soluções apropriadas à linguagem cinematográfica. Quando tenta fugir do literário, nem o próprio Scorsese consegue escapar do clichê e de um surrealismo banal e sem maiores surpresas. Até mesmo o visual de "Ilha do medo" - cujo título força uma ligação com "Cabo do medo", do mesmo diretor - sofre de certa esquizofrenia, misturando cores e texturas sem maiores explicações lógicas a não ser que se converse com o próprio diretor e ele explique suas ideias - coisa que ninguém tem a oportunidade de fazer. E dizer que até mesmo a edição da até então infalível Thelma Schoonmaker - que edita seus filmes há décadas - tem falhas gritantes (que mesmo explicáveis devido ao tom do filme incomodam mais do que ajudam) apenas comprova que algo errado está acontecendo quando se diz que esta é a maior bilheteria da carreira do diretor.

Certamente foi o nome de DiCaprio no cartaz que levou boa parte do público do filme às salas de cinema - e mesmo assim, é difícil acreditar que eles tenham gostado de um trabalho assim tão fora do padrão para o ídolo de metade das adolescentes de 1998. Ele interpreta - com seus habituais trejeitos - o policial Ted Daniels, veterano da II Guerra que, como agente do FBI chega a uma sombria ilha onde vivem pacientes psiquiátricos graves. Acompanhado do parceiro Chuck (Mark Ruffalo) e traumatizado pela morte da esposa (Michelle Williams) em um incêndio, ele tem a missão de localizar - dentro das instalações da ilha - uma interna perigosa, que matou os próprios filhos e desapareceu misteriosamente. Enquanto investiga o sumiço da paciente, ele passa a desconfiar que sua presença no local faz parte de uma conspiração governamental. O encontro com uma ex-doutora (Patricia Clarkson, a melhor coisa do filme) apenas aumenta sua confusão, que o leva a um confronto com os principais médicos do local (vividos por Ben Kigsley e Max Von Sydow).

O fato é que "Ilha do medo" não é um material apropriado a Scorsese. Longe de seu habitat natural - leia-se sua Nova York escura e violenta - ele tateia em busca de uma assinatura visual que não condiz com a trama que se desenrola frente aos olhos do espectador. É um filme sem a energia inata a ele, sem a força que ele normalmente imprime a seus trabalhos. É um bom filme, bastante superior à média - pelo menos exige bem mais cérebro que seus congêneres - mas uma decepção em termos de Scorsese. Ainda bem que logo em seguida ele veio com o brilhante e encantador "A invenção de Hugo Cabret", para deixar para trás esse pequeno tropeço em uma trajetória excepcional.

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