terça-feira

REENCONTRANDO A FELICIDADE

REENCONTRANDO A FELICIDADE (Rabbit hole, 2010, Olympus Pictures, 91min) Direção: John Cameron Mitchell. Roteiro: David Lindsay-Abaire, peça teatral de David Lindsay-Abaire. Fotografia: Frank G. DeMarco. Montagem: Joe Klotz. Música: Anton Sanko. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Kalina Ivanov/Diana Salzburg. Produção executiva: William Lischak, Linda McDonough, Brian O'Shea, Dan Revers. Produção: Nicole Kidman, Gigi Pritzker, Per Saari, Leslie Urdang, Dean Vanech. Elenco: Nicole Kidman, Aaron Eckhart, Dianne Wiest, Sandra Oh, Miles Teller. Estreia: 13/9/10 (Festival de Toronto)

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Nicole Kidman)


É difícil acreditar que o John Cameron Mitchell que assina o drama “Reencontrando a felicidade” é o mesmo inquieto e energético cineasta que ficou conhecido internacionalmente com “Hedwig” – uma festa para os olhos e ouvidos, dotado de um cinismo iconoclasta devastador e anárquico. Não porque essa adaptação da peça de teatro de David Lindsay Abaire (feita pelo próprio dramaturgo) seja medíocre ou algo parecido, mas sim porque é radicalmente diferente do filme de estreia do diretor, tanto em tom quanto em intenção. Melancólica, recheada de emoções brutas e desprovida de qualquer senso de humor capaz de amenizar sua força dramática, a história de um casal tentando superar a imensa dor da perda de um filho ainda criança revela em Mitchell um cineasta capaz de sair de sua zona de conforto e mesmo assim atingir a empatia do público – principalmente graças às atuações milagrosas de seu par de protagonistas, Nicole Kidman e Aaron Eckhart.
Kidman e Eckhart interpretam Becca e Howie Corbett, um casal jovem, bonito e bem-sucedido que vê sua vida paradisíaca virar de cabeça para baixo com a violenta morte de seu filho, atropelado por um carro acima do limite da velocidade dirigido pelo adolescente (Miles Teller). Oito meses depois da tragédia, eles tentam, cada um à sua maneira, superar seus sentimentos de dor e desespero: Howie acredita que grupos de apoio podem lhes ajudar e conta com a ajuda da igualmente traumatizada Gaby (Sandra Oh) para seguir em frente – mas não consegue deixar de “visitar” o filho em um vídeo gravado em seu celular. Becca, por sua vez, esconde seus sentimentos e, vez por outra, extravasa sua revolta em discussões com a família – a mãe, (Dianne Wiest), que também já perdeu um filho, e a irmã, , que acaba de descobrir-se grávida. Uma reviravolta acontece em sua vida, porém, quando ela inicia uma hesitante relação de amizade com o jovem Jason (Miles Teller), consumido pela culpa do acidente – uma relação que irá por em xeque todos os questionamentos da enlutada mãe e jogá-la em rota de colisão com o marido.


Fugindo do sentimentalismo barato e apostando em diálogos crus e realistas – mas nunca carentes de uma alta dose de emoção – o roteiro de “Reencontrando a felicidade” (um título nacional no mínimo equivocado, haja visto que nenhum personagem chega a reencontrar a tal felicidade) foge magistralmente das limitações de sua origem teatral não apenas por oxigenar a claustrofobia que poderia surgir de uma verborragia excessiva mas também por possibilitar à direção de Mitchell um viés mais cinematográfico em termos visuais. Ainda que o cineasta não ouse narrativa ou formalmente, em nenhum momento seu filme se torna um aborrecido exercício de autocompaixão ou masoquismo. Respeitando a força dos personagens de Lindsay-Abaire, o diretor se deixa conduzir por seus dramas sem nunca escorregar no exagero, contornando até mesmo os momentos mais tensos com uma sensibilidade que lembra o cinema europeu, avesso à qualquer tipo de pieguice. Os embates entre Kidman e Eckhart, por exemplo, fogem do tradicional esquema lacrimoso dos filmes do gênero, oferecendo a ambos a chance de exercitar suas maiores qualidades.
Eckhart – que já demonstrou talento para o cinismo desbragado em “Na companhia de homens” (97) e “Obrigado por fumar” (06) – tem um desempenho acima da média, transmitindo todo o turbilhão de sentimentos de seu personagem com uma potência dramática ainda não explorada por Hollywood. Enquanto isso, Kidman volta à sua melhor forma – esquecida diante de uma série de filmes bem aquém de seu talento – com uma personagem que, ao contrário do que se poderia esperar, não se resume a lágrimas e agressões. O vasto espectro de emoções mostrado por Kidman em pouco menos de 90 minutos justifica sua indicação ao Oscar de melhor atriz – que ela perdeu para Natalie Portman, por “Cisne negro” – e confirma a capacidade de John Cameron Mitchell de se reinventar e escapar do gueto artístico em que sua bem-sucedida estreia poderia lhe aprisionar. Contando ainda com atuações preciosas de Dianne Wiest (com pelo menos duas grandes cenas) e do então desconhecido Miles Teller (que se consagraria em 2015 com o ótimo “Whiplash, em busca da perfeição”), “Reencontrando a felicidade” é um palco para seus ótimos atores e mais uma prova de que um bom texto, uma direção competente e emoções verdadeiras são ingredientes mais do que suficientes para a realização de um belo e comovente drama familiar.

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