segunda-feira

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS

O SEGREDO DOS SEUS OLHOS (El secreto de sus ojos, 2009, Tornasol Films, 129min) Direção: Juan José Campanella. Roteiro: Eduardo Sacheri, Juan José Campanella, romance "La pregunta de sus ojos", de Eduardo Sacheri. Fotografia: Félix Monti. Montagem: Juan José Campanella. Música: Frederico Jusid, Emilio Kauderer. Figurino: Cecilia Monti. Direção de arte: Marcelo Pont. Produção executiva: Gerardo Herrero, Vanessa Ragone. Produção: Mariela Besuievsky, Juan José Campanella, Carolina Urbieta. Elenco: Ricardo Darín, Soledad Vilamil, Javier Godino, Pablo Rago, Guillermo Francella. Estreia: 13/8/09

Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro


Quando o espanhol Pedro Almodóvar e o americano Quentin Tarantino anunciaram o nome do argentino “O segredo dos seus olhos” como o vencedor do Oscar 2010 de Melhor Filme Estrangeiro, a plateia não pode disfarçar a surpresa. Para os presentes no auditório e para os telespectadores que acompanhavam a cerimônia, estava certo que a disputa seria entre o alemão “A fita branca”, de Michael Haneke, e o belga “O profeta”, de Jacques Audiard, ambos amplamente premiados em festivais de cinema e associações de críticos de cinema. Porém, conforme o susto foi passando e os cinéfilos prestaram atenção na inteligente mistura entre drama romântico e trama policial engendrada pelo escritor Eduardo Sacheri – adaptada por ele mesmo e pelo cineasta Juan José Campanella – sua vitória começou a fazer todo o sentido do mundo. Não apenas o filme mereceu a vitória como acabou por tornar-se (merecidamente) um clássico moderno, uma perfeita demonstração de equilíbrio narrativo e brilhantismo técnico que apenas o melhor cinema mundial pode oferecer. E de quebra, consagrou o ator Ricardo Darín como o embaixador não-oficial do cinema argentino no resto do mundo.
Expressivo e carismático, Darín é o corpo e a alma de “O segredo dos seus olhos”, um filme que pode ser considerado, sem erro, dois em um. Fato raro em uma época em que os filmes dificilmente ousam misturar mais de um gênero – e quando o fazem chegam a resultados sofríveis – a obra de Campanella funciona perfeitamente bem tanto no campo do cinema policial (com uma trama coesa e intrigante, que prende a atenção do espectador do primeiro ao último minuto) quanto no terreno do drama romântico (que passa longe do sentimentalismo barato e seduz o público com extrema sutileza). Não fosse o bastante, o roteiro ainda consegue aliviar a barra de uma história pesada com momentos de um humor gaiato e malandro (personificado na figura de Guillermo Francella, sempre em vias de roubar as cenas em que aparece na pele de Pablo Sandoval, colega de trabalho e melhor amigo do protagonista). Ao contrário do que acontece na maioria dos filmes policiais americanos, porém, onde o alívio cômico tem a função única de fazer rir, aqui a presença de Sandoval tem desdobramentos imprevisíveis – e sua importância cabal no desenvolvimento de ambas as tramas apenas reitera o brilhantismo do roteiro de Sacheri e Campanella, que melhoram o livro que lhe deu origem, acrescentando a ele camadas visuais e nuances dramáticas ainda mais poderosas.



Quando a história começa, Benjamín Esposito (Ricardo Darín, impecável) resolve abandonar a solidão da aposentadoria para procurar um antigo amor platônico, Irene Menéndez Hastings (Soledad Villamil), hoje procuradora de justiça de Buenos Aires. O motivo da visita – além da paixão que ainda nutre pela ex-colega, casada e mãe – é mostrar a ela os manuscritos de seu romance de estreia, inspirado em um caso policial em que ambos estiveram envolvidos 25 anos antes. Obcecado com a história da morte da jovem Liliana Coloto (Carla Quevedo) – estuprada e morta em sua própria casa quando o marido estava no trabalho – e com o desfecho do caso, Esposito tenta, com seu livro, encontrar um final satisfatório para o drama, bem como sabe que sua reaproximação com Irene pode alterar também seu destino romântico, interrompido por questões mal-resolvidas. Intercalando o presente – com os antigos apaixonados tentando lidar com o inesperado reencontro – com o passado – que mostra as investigações da morte de Liliana – “O segredo dos seus olhos” mergulha o espectador em um labirinto de pistas falsas, corrupção, violência e paixão, que, somados, constroem um amplo painel de crueldade e decepções. Sem jamais perder o fio da narrativa, Campanella penetra com maestria nos desvãos da (in) justiça para atingir o público com uma arrebatadora história de obsessão.
Brindando o espectador com sequências brilhantes, como o longo plano-sequência de cinco minutos em um estádio de futebol lotado (que na verdade, por obra e graça da edição impecável assinada pelo próprio diretor, são vários planos-sequências imperceptivelmente cortados em momentos precisos) e a potente cena em que o culpado pela morte de Liliana confessa seu crime incentivado pelo egocentrismo, Campanella – que já havia disputado o Oscar com o emotivo “O filho da noiva”, sintomaticamente estrelado pelo mesmo Ricardo Darín – se mostra um cineasta dotado de extremo talento para a imagem e a construção cinematográfica, com a vantagem de jamais deixar que seu virtuosismo técnico sobrepuje a força dos diálogos e de sua história. Por todo o seu filme ele faz questão de frisar – sutil mas enfaticamente – a força do olhar, a verdade que surge quando se presta atenção nos olhos alheios. Não é à toa que as trocas de olhares entre Esposito e Irene falam mais do que suas conversas, ou que sejam os olhares cobiçosos de um apaixonado fiel (em fotos antigas) que deslindem o caso e levem a polícia ao criminoso. Campanella parece dizer, em cada fotograma, que se os olhos são o espelho da alma, lhes são impossível esconder tudo que ela tenta manter recalcado.
Sufocantemente romântico e empolgante como thriller policial – com direito a um final arrebatador e de absoluta coerência com todo o discurso mostrado desde seus primeiros minutos – “O segredo dos seus olhos” é tão bom que nem mesmo inúmeras revisões conseguem tirar o prazer do espectador. É de lamentar apenas a ganância hollywoodiana, que transformou a originalidade de sua trama no insosso “Olhos da justiça”, um remake capenga e sem personalidade estrelado por Julia Roberts, Nicole Kidman e Chiwetel Ejiofor, que muda a essência da trama e justifica-se apenas pela preguiça legendária do público norte-americano de acompanhar legendas. Azar de quem preferir a versão sem graça ao invés do genial original.

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