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O REI DA COMÉDIA

O REI DA COMÉDIA (The king of comedy, 1982, Embassy International Pictures/20th Century Fox, 109min) Direção: Martin Scorsese. Roteiro: Paul D. Zimmermann. Fotografia: Fred Schuler. Montagem: Thelma Schoonmaker. Figurino: Richard Bruno. Direção de arte/cenários: Boris Leven/George De Titta Sr., Daniel Robert. Produção executiva: Robert Greenhut. Produção: Arnon Milchan. Elenco: Robert DeNiro, Jerry Lewis, Sandra Bernhard, Diahnne Abbot. Estreia: 08/12/82

Foi em 1974, enquanto Martin Scorsese estava trabalhando em "Alice não mora mais aqui" que Robert De Niro aproximou-se dele com o roteiro de uma perturbadora comédia dramática que tinha, em seu subtexto, uma feroz crítica à cultura de assédio irracional às celebridades. Foi preciso quase uma década - e nesse meio-tempo duas obras-primas a dois ("Taxi driver" (76) e "Touro indomável" (80) - para que o grande cineasta finalmente compreendesse totalmente as entranhas da história (que já passara a ser parte do cotidiano em que vivia) e aceitasse o desafio de levar às telas a trajetória do aparentemente inocente Rupert Pupkin rumo à fama e à notoriedade. Tendo De Niro no papel principal - com um desempenho que o próprio Marty considera o melhor que o ator alcançou sob sua direção - o filme decepcionou nas bilheterias, nas cerimônias de premiação e é hoje considerado um "Scorsese menor". Mas, mesmo soando clichê, um Scorsese menor ainda é um filme acima da média, e "O rei da comédia" é um filme com muitas qualidades que merece ser redescoberto.

Um dos maiores atrativos de "O rei da comédia" para os fãs de cinema é a participação de Jerry Lewis em um papel dramático. O ator, que criou algumas das comédias mais engraçadas dos anos 60 e que, apesar de ser desprezado pelos críticos americanos é considerado um gênio pelos franceses, vive um apresentador de talk-show chamado Jerry Langford. Adorado pelo público e bem-sucedido, ele é também o ídolo máximo de Rupert Pupkin (um DeNiro perigosamente afável), um aspirante a comediante que vê em uma possível aproximação com o famoso apresentador a chance de mostrar seu trabalho e tornar-se também uma celebridade. Constantemente renegado por Langford (por mil e uma razões bastante óbvias, inclusive a invasão que Pupkin faz à sua mansão, acompanhado da namorada), o obcecado humorista resolve então partir para a mais radical das missões: contando com a ajuda da igualmente psicótica Masha (Sandra Bernhard), ele sequestra Jerry e exige da emissora que exiba sua apresentação em rede nacional.


Se o roteiro de Paul D. Zimmermann não chega a ser genial, a direção de Scorsese, mais uma vez, faz toda a diferença. Além de permitir a seus atores momentos de improvisação que tornam cada cena um organismo vivo e imprevisível - como a longa sequência na mansão de Jerry ou as cenas entre ele e Masha, repletas de um senso constante de perigo. Scorsese mostra também seu imenso talento no plano-sequência que acompanha Pupkin enquanto é expulso da sede onde fica o escritório de Jerry: a câmera percorre os corredores estreitos do prédio como se identificasse Rupert como um organismo indesejável a um corpo, pronto para ser extraído friamente. Além disso, é impossível não ficar desconfortável ao testemunhar as inúmeras tentativas do protagonista em ser recebido por seu ídolo, em cenas de puro constrangimento alheio que vão dando ao filme uma textura que seu começo, leve e um tanto irônico, não deixava antever. E DeNiro, com sua performance, dá mais um show: como uma espécie de Travis Bickle (de "Taxi driver") menos claramente psicótico, ele transita com segurança entre o humor mordaz de suas alucinações e monólogos com uma plateia imaginária e a tensão da metamorfose entre um vítima inofensiva e um homem capaz de qualquer desvario para atingir seus objetivos.

"O rei da comédia" está realmente longe de ser uma obra-prima ou de figurar entre os melhores filmes de Martin Scorsese. Mas se utiliza de um tema ainda muito em voga (o culto à celebridade) para analisar uma sociedade doentia capaz de transformar qualquer um em estrela de TV ou cinema. O final irônico - que também remete a "Taxi driver" em determinado nível - é a cereja do bolo, mostrando que Scorsese, mesmo quando está aquém de toda a sua energia ainda é um cineasta de primeira grandeza.

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