segunda-feira

AJUSTE FINAL

AJUSTE FINAL (Miller's crossing, 1990, 20th Century Fox, 115min) Direção: Joel Coen. Roteiro: Joel Coen, Ethan Coen. Fotografia: Barry Sonnenfeld. Montagem: Michael R. Miller. Música: Carter Burwell. Figurino: Richard Hornung. Direção de arte/cenários: Dennis Gassner/Nancy Haigh. Produção executiva: Ben Barenholtz. Produção: Ethan Coen. Elenco: Gabriel Byrne, Marcia Gay Harden, Albert Finney, John Turturro, J.E. Freeman, Jon Polito. Estreia: 21/9/90

Durante o processo de escrita do roteiro de "Ajuste final", que viria após de sua auspiciosa estreia com "Gosto de sangue" (84) e da visita à comédia amalucada em "Arizona nunca mais" (87), os irmãos Coen - Joel, o diretor, e Ethan, o produtor - experimentaram uma situação insólita: em determinado ponto, a estória do gângster Tom Regan - regada a tiroteios, traições e a dose sempre presente de humor negro - chegava a um impasse aparentemente insolúvel. Cansados, confusos e com uma falta de ideias até então desconhecido, eles deram um tempo e escreveram um outro filme, justamente sobre um roteirista de Hollywood paralisado por um bloqueio criativo. O filme, "Barton Fink, delírios de Hollywood" (92), acabou saindo-se vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes e recebeu rasgados elogios da crítica. E "Ajuste final", apesar de ter sido praticamente ignorado pelas cerimônias de premiação, conseguiu, em seu resultado final, superar os problemas de falta de inspiração se tornando um espetacular filme de gângster, que mistura o estilo inconfundível dos cineastas com os elementos tradicionais de um dos gêneros mais queridos dos espectadores.

A primeira cena já remete ao mais clássico dos clássicos, "O poderoso chefão" (72), quando um gângster dos anos 30, Johnny Caspar (Jon Polito), pede permissão a outro, Leo (Albert Finney), para matar Bernie Bernbaum (John Turturro), um judeu falastrão e desonesto que anda atrapalhando seus negócios. A sequência, filmada com elegância, dá a partida para a complexa trama: testemunhado por seu lacônico conselheiro Tom Regan (um silencioso e eficiente Gabriel Byrne), Leo se recusa a apoiar Caspar, mas por motivos que nada tem a ver com o submundo do crime: Bernie é irmão da amante de Leo, a sedutora Verna (Marcia Gay Harden), uma mulher pouco confiável, já que, além de Leo, também frequenta a cama de Tom. Esse perigoso triângulo amoroso, incendiado pela presença nociva de Bernie e pelo tom de constante ameaça de Caspar e seu violento capanga, Eddie Dane (J.E. Freeman), vai sofrer constantes reviravoltas, já que confiança é um artigo raro dentro do submundo criminal dos anos 30.


Esplendidamente fotografado pelo futuro cineasta Barry Sonnenfeld, "Ajuste final" é um típico produto em que a aparência chama mais a atenção do que o conteúdo. A trama complexa - por vezes em demasia - é emoldurada por uma reconstituição de época caprichadíssima e uma técnica impressionante, característica que os cineastas levariam como constante em sua vitoriosa carreira. O roteiro (não é de surpreender que tenha confundido os próprios autores) ousa em sua originalidade, misturando sexo, poder e violência em um caldeirão de referências visuais e temáticas, mas acaba, em determinado momento, deixando o espectador perdido com tantos nomes e situações. Esse pequeno detalhe, porém, não basta para anular as inúmeras qualidades do filme, uma extraordinária realização que surpreende por ser recém o terceiro trabalho dos Coen. Sua inexperiência não os impede de alcançar níveis inacreditáveis de excelência, tanto pictoriamente quanto em termos de direção de atores.

Gabriel Byrne nunca esteve tão bem antes, construindo um Tom Regan discreto, cuja raiva vai se acumulando até o limite, em sequências arrepiantes. Albert Finney surpreende como o gângster Leo, que intercala momentos de ternura apaixonada com outros de raiva extrema, e Marcia Gay Harden jamais deixa sua Verna tornar-se previsível aos olhos da plateia. No entanto, é John Turturro, na pele do venal Bernie Bernbaum, quem rouba a cena: sempre que está diante do público, ele monopoliza a atenção, com seus olhos expressivos e seu trabalho milimetricamente detalhado (não foi à toa que ele foi escolhido pelos diretores para viver o protagonista de "Barton Fink", que lhe valeu o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes). Suas sequências - em especial o fantástico duelo com Byrne em uma floresta - são a alma do filme, a prova de que, por trás da intrincada história contada pelos Coen e por seu hipnotizante visual, existe gente que sabe falar de gente. Mesmo que seja uma gente tão distante - em todos os sentidos - do espectador comum.

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