segunda-feira

LOUCOS DE AMOR

LOUCOS DE AMOR (She's so lovely, 1997, Miramax/Clyde is Hungry Productions, 100min) Direção: Nick Cassavetes. Roteiro: John Cassavetes. Fotografia: Thierry Arbogast. Montagem: Petra Von Oelffen. Música: Joseph Vitarelli. Figurino: Beatrix Aruna-Pasztor. Direção de arte/cenários: David Wasco/Sandy Reynolds-Wasco. Produção executiva: Bernard Bouix, Gérard Depardieu, Sean Penn, John Travolta. Produção: René Cleitman. Elenco: Sean Penn, Robin Wright Penn, John Travolta, Harry Dean Stanton, James Gandolfini, Debi Mazar, Gena Rowlands, Burt Young, Talia Shire. Estreia: 15/5/97 (Festival de Cannes)

Vencedor da Palma de Ouro (Melhor Ator) no Festival de Cannes 1997: Sean Penn

Diretor de filmes extremamente densos, que examinavam a fundo as relações interpessoais sem firulas estéticas e que invariavelmente deixavam no espectador uma sensação amarga, John Cassavetes foi pioneiro também em fugir dos ditames dos grandes estúdios, buscando formas independentes de lançar suas obras. Eternamente lembrado como o marido satanista de Mia Farrow em "O bebê de Rosemary", Cassavetes foi casado com a atriz Gena Rowlands - presença constante em sua filmografia - e morreu prematuramente, aos 59 anos, em fevereiro de 1989, antes de sequer começar a dirigir um novo projeto, a ser estrelado por Sean Penn. Felizmente o roteiro já estava pronto, e, quase dez anos depois da morte de John, "Loucos de amor" finalmente chegou as telas em grande estilo, estreando no Festival de Cannes - de onde saiu com o prêmio de melhor ator. Na direção, mostrando que seu talento passou para a geração seguinte, seu filho Nick, que emulou o espírito realista e seco do pai ao realizar uma obra que, a despeito de ter sido lançada no final da década de 90, tem a cara e a alma de um drama setentista.

Melancólico e pessimista, "Loucos de amor" já começa mostrando a que veio, apresentando ao público uma protagonista feminina complexa, irresponsável e paradoxalmente encantadora: Maureen (Robin Wright Penn) mora em um prédio decadente de um bairro pobre de Nova York, está grávida de poucos meses do marido que sumiu há três dias e não hesita em beber e fumar pelas ruas da cidade, enquanto flerta - mais por carência do que por tesão - com um vizinho aparentemente gentil, Kiefer (James Gandolfini), que aproveita a primeira oportunidade para espancá-la e estuprá-la. Quando seu marido, Eddie (Sean Penn) finalmente volta para casa, como se nada tivesse acontecido, ela resolve esconder dele a violência sofrida, por medo de uma represália. Quando o fato vem à tona, porém, o já agressivo Eddie não resiste e parte para a agressão, obrigando sua esposa a chamar um hospital psiquiátrico para impedí-lo de cometer um crime. A medida não basta e Eddie acaba sendo condenado a passar dez anos em uma instituição, depois de atirar em um médico. Uma década mais tarde, Eddie finalmente volta à liberdade - sem a noção do tempo que passou preso - e descobre que Maureen mudou seu estilo de vida. Casada novamente e mãe de três meninas, ela agora é uma equilibrada dona-de-casa que vive em paz com o novo marido, Joey (John Travolta). O retorno de Eddie a seu universo, porém, irá fazê-la questionar sua felicidade.


Dividindo seu filme em duas partes claras e esteticamente diferentes - o antes e o depois na vida de Eddie e Maurenn - Nick Cassavetes praticamente dirigiu dois filmes em um: o decadente, triste e boêmio mundo do casal na primeira metade é, paradoxalmente, mais romântico e passional, um mundo ao qual ambos pertencem e no qual se sentem à vontade, apesar das dificuldades financeiras. A segunda metade do filme é solar, clara, brilhante, sufocante aos olhos tanto de um Eddie recém-liberto de um pesadelo de dez anos quanto de uma Maureen que escondeu seu lado selvagem e transgressor atrás de uma fachada bem construída de mulher do lar. Não é por acaso que o tom da narrativa também muda quando acontece a transição: o que era trágico e escuro dá lugar a uma quase comédia, com direito a um Sean Penn exageradamente louro e uma menina de nove anos que entra na discussão familiar bebendo cerveja como gente grande. Esse contraste - que pode parecer gratuito - é a cara de "Loucos de amor", um filme que sacode as expectativas da plateia em suas pré-concepções de amor, felicidade e lealdade.

Porém, se foi Sean Penn quem levou o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes, não é ele quem melhor traduz as dicotomias psicológicas do filme, apesar de estar fabuloso como sempre. Quem rouba a cena, traduzindo em imagens e em uma interpretação impecável todas as nuances do roteiro é a excelente Robin Wright Penn, casada com Sean à época. Seu trabalho de composição é absolutamente perfeito, desde o visual - de cabelos curtos e mal pintados na primeira parte a uma delicadeza de traços e gestos na segunda - até na maneira discreta e sutil que ela mostra a angústia de sua Maureen através do olhar e da entonação de voz. O que parece ser dois personagens distintos transforma-se rapidamente em uma única personalidade toda vez que ela está em cena, lembrando à audiência que todo o turbilhão de sentimentos mostrados no filme está se passando dentro da mesma - e apaixonada mulher. Robin realmente é, como diz o título original, adorável. Uma atriz extraordinária no melhor papel de sua carreira.

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