terça-feira

A PARTILHA

A PARTILHA (A partilha, 2001, Globo Filmes/Lereby Productions, 96min) Direção: Daniel Filho. Roteiro: João Emanuel Carneiro, Miguel Falabella, Daniel Filho, Mark Haskell Smith, peça teatral homônima de Miguel Falabella. Fotografia: Félix Monti. Montagem: Felipe Lacerda. Música: Rita Lee, Nelson Motta. Figurino: Marilia Carneiro. Direção de arte: Marcos Flaksman. Produção executiva: Caíque Martins Ferreira. Produção: Valéria Costa Amorim, Daniel Filho. Elenco: Glória Pires, Andréa Beltrão, Lília Cabral, Paloma Duarte, Herson Capri, Marcello Antony, Thiago Fragoso, Guta Stresser, Cassiano Carneiro, Fernanda Rodrigues, Chica Xavier. Estreia: 08/6/01

Em 1987, quando interpretava a vilã Laura da novela "O outro", da Rede Globo, a atriz Natália do Valle deu ao ator Miguel Falabella - seu irmão na trama - a ideia de uma peça teatral que falava sobre o reencontro de um grupo de irmãs bastante diferentes entre si para discutir o inventário da mãe recentemente morta. Arlete Salles, que também estava na novela interpretando uma misteriosa governanta, também entrou no projeto, e quatro anos depois surgia "A partilha", um dos maiores sucessos de bilheteria do teatro nacional, que ficou em cartaz por seis anos, viajou para mais de dez países e fez gargalhar e chorar milhares de espectadores. Seu sucesso extraordinário logo chamou a atenção até mesmo de Hollywood, que acenou com a possibilidade de levar o texto para as telonas - devidamente adaptado para a realidade norte-americana e com outras atrizes nos papéis defendidos (e consagrados) por Natália, Arlete, Susana Vieira e Thereza Piffer, que viviam as outras irmãs. Felizmente o projeto de uma versão ianque da peça não vingou, mas Daniel Filho - um dos mais influentes diretores da televisão brasileira e que havia sentido o gostinho do cinema ao dirigir "O cangaceiro trapalhão", veículo para o estrelato do quarteto Os Trapalhões, em 1982 - achou que era hora de voltar ao ofício de cineasta, uma paixão há muito reprimida. Foi assim que, dez anos depois da estreia de "A partilha" nos palcos, ela finalmente chegava aos cinemas, com um elenco novo em folha, subtramas expandidas e cara de especial de televisão.

Co-produzido pela Globo Filmes - o que explica sua linguagem pouco cinematográfica e o elenco de rostos conhecidos das telenovelas - "A partilha" sofre de um grave defeito: para garantir uma hora e meia de duração, o roteiro dilui a densidade dramática e o timing cômico da peça, diminuindo assim um de seus maiores trunfos, o texto ágil e redondo de Falabella, que no filme assume o papel de co-roteirista, ao lado do próprio diretor, do futuro autor de novelas João Emanuel Carneiro e do americano Mark Haskell Smith. Evitando a claustrofobia de manter a ação somente no apartamento da família - o maior bem do inventário e principal motivo de discussão entre as personagens - o roteiro amplia os dramas de suas protagonistas, apresentando ao público coadjuvantes apenas citados na versão teatral, como um marido militar e sua filha adolescente grávida, um filho revoltado com a distância geográfica que sua mãe impôs e uma namorada lésbica. Nem todos funcionam, principalmente porque nem sempre o texto consegue manter o frescor que Falabella imprime em seus diálogos, mas ainda assim o filme conquista facilmente a plateia graças ao imenso carisma de suas intérpretes centrais.


Glória Pires vive Selma, uma mulher reprimida que abdicou de uma profissão para viver ao lado do marido, Luís Fernando (Herson Capri), da filha adolescente e da mãe viúva. Quando a mãe morre, depois de uma longa enfermidade, ela resolve chamar as irmãs para discutir os detalhes do funeral, o inventário e a partilha dos bens. De Paris, chega Lúcia (Lília Cabral), uma mulher expansiva e excêntrica que abandonou marido e o filho para viver uma história de amor fora do Brasil, o que nunca conformou a família. Outra irmã, Regina (Andréa Beltrão), é natureba, esotérica e solteira, praticando o sexo casual sem muita culpa depois de ter criado seus filhos com extrema liberdade. E a caçula, Laura (Paloma Duarte), bem mais jovem que as outras, está terminando sua tese, quer viajar para a Alemanha para fazer pós-graduação e vive um romance com outra mulher. Juntas, elas irão lembrar do passado, discutir ressentimentos, lavar roupa suja e redescobrir o amor que sempre as manteve unidas.

No palco, "A partilha" seduzia a plateia com um senso de humor politicamente incorreto, uma dose bem generosa de melancolia e uma química intocável entre suas atrizes. Na tela, muitas dessas qualidades se perdem: sem ousadia de espécie alguma, Daniel Filho conduz seu filme de maneira burocrática, quase preguiçosa, apostando todas as suas fichas nos talentos individuais de suas atrizes principais - todas excelentes, mas nem sempre adequadas aos papéis e em alguns momentos com tons dissonantes. Enquanto Glória Pires sublinha sempre o lado mais dramático de sua personagem reprimida - que tenta um romance extraconjugal com o corretor de imóveis vivido por Marcello Antony - Lília Cabral quase resvala no exagero de sua Lúcia (interpretada com maestria por Arlete Salles na versão teatral). Das quatro protagonistas, Andréa Beltrão é quem se sai melhor, equilibrando com talento os dois lados de sua Regina, mesmo quando precisa passar por cima de um clímax desnecessariamente exagerado, que só se justifica pela vontade de criar um humor mais popular - e não exatamente engraçado.

Para quem teve a sorte de assistir à sua versão teatral, o filme "A partilha" é decepcionante, apesar de ser sempre um prazer ver o talento de suas atrizes. Quem assiste à versão cinematográfica sem conhecer o original, é diversão ligeira, inofensiva e por vezes engraçada. Merecia uma adaptação melhor - e de preferência com seu primeiro (e sensacional) elenco.

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