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HOTEL RUANDA

HOTEL RUANDA (Hotel Rwanda, 2004, MGM/United Artists,121min) Direção: Terry George. Roteiro: Keir Pearson, Terry George. Fotografia: Robert Fraisse. Montagem: Naomi Geraghty. Música: Afro Celt Sound System, Rupert Gregson-Williams, Andrea Guerra. Figurino: Ruy Filipe. Direção de arte/cenários: Johnny Breedt, Tony Burrough/Estelle "Flo" Ballack. Produção executiva: Sam Bhembe, Roberto Cicutto, Martin F. Katz, Francesco Melzi D'Eril, Duncan Reid, Hal Sadoff. Produção: Terry George, A. Kitman Ho. Elenco: Don Cheadle, Sophie Okonedo, Joaquin Phoenix, Nick Nolte, Jean Reno. Estreia: 11/9/04 (Festival de Toronto)

3 indicações ao Oscar: Ator (Don Cheadle), Atriz Coadjuvante (Sophie Okonedo), Roteiro Original

Tendo em vista alguns dos filmes de seu currículo - os engajados "Em nome do pai", do qual é roteirista, e "Mães em luta", que também dirigiu - o cineasta Terry George era o nome perfeito para assinar a versão cinematográfica de um dos atos mais sangrentos da história da África contemporânea. Inspirado em fatos reais, "Hotel Ruanda" narra, de forma seca e brutal (e posteriormente questionada por sobreviventes que rechaçaram a versão heroica do protagonista como revisionista) o impressionante desenrolar de um genocídio que exterminou mais de um milhão de pessoas em plena década de 90 - e que foi devidamente ignorado pela maior parte da mídia internacional devido à pouca importância política de suas vítimas. Mantendo seu estilo de evitar sentimentalismos, George acabou conquistando a crítica e abiscoitou uma indicação ao Oscar de roteiro original - além de ter proporcionado a Don Cheadle, um sempre valoroso coadjuvante, seu primeiro papel de protagonista (que também lhe rendeu a chance de concorrer à estatueta dourada da Academia).

Cheadle - que ficou com o papel principal mesmo quando os produtores preferiam nomes mais comerciais como Denzel Washington, Wesley Snipes e Will Smith - vive com intensidade o sofisticado Paul Rusesabagina, gerente de um hotel quatro estrelas de proprietários belgas na cidade de Kigali, capital de Ruanda. Um país em constante tensão racial que divide a maioria hutu e a minoria tutsi (em uma divisão étnica inexplicável e totalmente política), Ruanda vê os conflitos ampliados a um nível extremo quando, após assinar um acordo de paz, seu presidente morre assassinado, o que acaba por selar a guerra aberta entre os dois grupos. Testemunhando o extermínio generalizado dos tutsis - origem de sua esposa Tatiana (Sophie Okonedo) - o hutu Rusesabagina resolve proteger sua família escondendo-a no hotel, comprando favores dos líderes do exército. Aos poucos, porém, outras potenciais vítimas pedem auxílio a ele, que, incapaz de negar ajuda, transforma o local em um campo de refugiados. Suas esperanças de ter socorro de órgãos do governo acabam, no entanto, quando um grupo de soldados belgas retira todos os estrangeiros hospedados no hotel, deixando bem claro sua indiferença em relação aos nativos do país. É aí que ele, contando com o apoio de um Coronel da ONU (personagem fictício interpretado por Nick Nolte), toma a decisão de proteger a todos que puder e tornar a situação notícia ao redor do mundo.


Apesar da polêmica em torno da veracidade do heroísmo de seu protagonista - comparado, à época do lançamento do filme com Oskar Schindler, por ter salvado mais de 1200 vidas - o filme de Terry George cumpre com bastante competência seu objetivo de dar luz a um dos episódios mais chocantes do final do século XX, e até então relegado a uma tímida nota de rodapé da história da sociedade contemporânea. Sem apelar para a violência gráfica exagerada - para desgosto dos espectadores mais sádicos - o diretor não foge de mostrar a crueldade dos exércitos hutus em sequências dolorosas e realistas, mas não transforma seu filme em um catálogo de horrores, preferindo concentrar-se nos esforços de Rusesabagina em livrar seu povo da quase inevitável tragédia. Independente do quanto é real ou não na história, ele dá a seu personagem central uma aura heroica difícil de ignorar: complexo em seus sentimentos e tão corajoso em seus atos quanto frágil em sua intimidade (complexidade que Don Cheadle tira de letra), ele soa mais humano do que a maioria dos herois retratados no cinema americano. Contando com a ajuda da ótima Sophie Okonedo - indicada ao Oscar de coadjuvante, que perdeu para Cate Blanchett em "O aviador" - Cheadle apresenta um trabalho impecável, que valoriza cada cena e disfarça um certo excesso no tempo de projeção.

Forte, intenso e interpretado com calor, "Hotel Ruanda" é um filme de suprema importância política e social. Narrado com sobriedade e uma discreta indignação, é uma obra que reafirma o talento de Terry George em transformar histórias engajadas em tramas de intensa emoção sem que, para isso, seja preciso apelar para o sentimentalismo forçado. Afinal, como ele mesmo mostra em suas cenas, a história já é comovente o bastante para que seja necessários adendos piegas. De acordo com sua filmografia, nenhum vilão é mais cruel e odioso que o ser humano - e depois de assistir a seus filmes, duvidar quem há de?

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