terça-feira

O LUTADOR

O LUTADOR (The wrestler, 2008, Wild Bunch/Protozoa Pictures, 109min) Direção: Darren Aronofsky. Roteiro: Robert Siegel. Fotografia: Maryse Alberti. Montagem: Andrew Weisblum. Música: Clint Mansell. Figurino: Amy Westcostt. Direção de arte/cenários: Tim Grimes/Theo Sena. Produção executiva: Vincent Maraval, Agnès Mentre, Jennifer Roth. Produção: Darren Aronofsky, Scott Franklin. Elenco: Mickey Rourke, Marisa Tomei, Evan Rachel Wood, Mark Margolis. Estreia: 05/9/08 (Festival de Veneza)

2 indicacões ao Oscar: Ator (Mickey Rourke), Atriz Coadjuvante (Marisa Tomei)
Vencedor de 2 Golden Globes: Melhor Ator/Drama (Mickey Rourke), Canção ("The wrestler") 

Poucos atores tiveram seu auge e decadência tão nitidamente marcados diante do público quanto Mickey Rourke. O símbolo sexual que mexeu com a cabeça e a libido das mulheres em "9 1/2 semanas de amor" e o ator intenso e talentoso que entusiasmou a crítica no barra-pesada "Coração satânico" - ambos de 1986 - parecia ter um futuro brilhante pela frente, até que escolhas equivocadas na carreira, uma vida pessoal atribulada (com escândalos frequentes a respeito de violência doméstica) e uma surpreendente tentativa de tornar-se boxeador enterrou sua credibilidade e tornou seu rosto - que tanto havia encantado as plateias - uma triste constatação dos males provocados pelos excessos. Quando tudo aparentava estar perdido, porém, Rourke pegou o mundo de surpresa: primeiro ressurgiu em "Sin City, a cidade do pecado" na pele do anti-heroi Marv, um dos maiores destaques do filme de Robert Rodriguez. E três anos depois, ressurgido das cinzas, saiu louvado do Festival de Veneza por seu trabalho em "O lutador", de Darren Aronofsky, que foi eleito o melhor filme - só não carregou a estatueta de melhor ator porque as regras do festival impediam que a mesma obra fosse homenageada em ambas as categorias. Em um papel que caiu como uma luva para seu momento, Rourke calou a boca daqueles que consideravam sua carreira encerrada e ainda, de quebra, ganhou o Golden Globe e foi indicado ao Oscar - que perdeu para Sean Penn, outro rebelde domado. Uma volta por cima como Hollywood adora - mas que infelizmente não teve continuidade graças ao comportamento errático do próprio ator.

Esse comportamento irresponsável de Rourke, aliás, quase lhe custou a chance de retornar às boas graças da crítica e do público: mesmo sabendo que o papel principal havia sido escrito com o ator em mente, o estúdio produtor não tinha a menor intenção de tê-lo no elenco, a ponto de Nicolas Cage ter começado a fazer pesquisas para estrelar o filme e Aronofsky ter considerado Sylvester Stallone como astro. A sorte parecia estar do lado de Rourke, no entanto: Cage desistiu do projeto por achar que não teria tempo suficiente para preparar-se, e o diretor chegou à conclusão de que a escalação de Stallone faria o filme ficar perigosamente semelhante à "Rocky Balboa" (06) - com quem divide o tom elegíaco e a trama familiar. Quando teve a chance de contar com Rourke, no entanto, o cineasta se surpreendeu com uma recusa - o ator não gostou do roteiro e nem era especialmente simpático às lutas livres profissionais. Insistente, Aronofsky alterou boa parte dos diálogos... e finalmente "O lutador" tinha seu protagonista. Exímio diretor de atores - foi ele quem levou Ellen Burstyn e Natalie Portman ao páreo do Oscar por "Réquiem para um sonho" e "Cisne negro", respectivamente - Aronofsky arrancou de Rourke uma atuação visceral, sensível e forte, capaz de, ao mesmo tempo, chocar e emocionar como nunca antes em sua carreira.


As semelhanças entre personagem e intérprete são perceptíveis já na trama central: Rourke vive Robin Ramzinski, um ídolo das lutas-livres profissionais nos anos 80 que, na meia-idade, sobrevive às custas de um remoto passado de glórias, participando de feiras para poucos fãs e lutas comemorativas das quais participa apenas como convidado de honra - mas que não lhe pagam bem o bastante para que ele não precise complementar o orçamento trabalhando como balconista de um supermercado. Um fracassado em todas as frentes, ele costuma afogar as mágoas no bar de strip-tease onde trabalha a mãe solteira Cassidy (Marisa Tomei, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), por quem sente-se atraído romanticamente e a quem tenta desajeitadamente conquistar. É ela quem irá encorajá-lo a consertar outra parte deficiente de sua vida: a filha Stephanie (Evan Rachel Wood), com quem mantém uma relação de fria distância e com quem irá buscar uma aproximação, principalmente depois de um enfarte que pode encerrar sua carreira e sua vida.

Sem medo de retratar o ambiente totalmente desprovido de glamour dos bastidores da luta-livre - e de mostrá-lo de forma dolorosamente realista, sem filtros e meias-verdades - Darren Aronofsky desconstroi todo o romantismo dos filmes do gênero, em cenas cruas e regadas a uma melancolia típica de personagens perdedores e desiludidos. Embalados por uma inspirada trilha sonora - Axl Rose cedeu os direitos de sua "Sweet child o'mine" para o filme por ter gostado do roteiro e Bruce Sprinsgteen compôs a bela canção-título vencedora do Golden Globe e injustamente esquecida pelo Oscar - os lutadores que gravitam ao redor do protagonista são tão desajustados quanto ele, homens que ganham a vida através de uma violência de mentira e são incapazes de romper com um universo opressivo e rarefeito. Esse tom de pessimismo, equilibrado com sensibilidade e as atuações acima da média fazem de "O lutador" um dos dramas mais intensos de sua época, com ou sem Oscar no currículo.

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