terça-feira

A BELA QUE DORME

A BELA QUE DORME (Bella addormentata, 2012, Rai Cinema, 115min) Direção: Marco Bellocchio. Roteiro: Marco Bellocchio, Veronica Raimo, Stefano Rulli, estória de Marco Bellocchio.  Fotografia: Daniele Ciprì. Montagem: Francesca Calvelli. Música: Carlo Crivelli. Figurino: Sergio Ballo. Direção de arte/cenários: Marco Dentici/Laura Casalini. Produção executiva: Franco Bevione, Fabio Massimo Cacciatori. Produção: Marco Chimenz, Giovanni Stabilini, Riccardo Tozzi. Elenco: Toni Servillo, Isabelle Huppert, Alba Rohrwacher, Michele Riondino, Maya Sansa, Brenno Placido, Pier Giorgio Bellocchio. Estreia: 05/9/12 (Festival de Veneza)
 
Um dos cineastas europeus mais polêmicos do final dos anos 80 - seu "Diabo no corpo" provocou furor internacional graças à famigerada cena de sexo explícito em um tribunal de júri - o italiano Marco Bellocchio foi amansando com o tempo, deixando de lado a provocação gratuita para concentrar-se em filmes que chamassem mais a atenção por suas qualidades dramáticas do que por escândalos desnecessários. Um dos destaques dessa nova fase foi o elogiado "Vincere" (2009), que conta a história de uma amante secreta de Mussolini e do filho que tiveram juntos. Porém, mesmo longe do estilo provocador de outrora, Bellocchio não deixa de lado totalmente sua necessidade de suscitar controvérsia, como prova "A bela que dorme", lançado no Festival de Veneza de 2012, de onde saiu com um prêmio especial de direção - e que também conquistou os jurados do Festival Internacional de Cinema de São Paulo. Partindo da história real da jovem Eluana Englaro, que dividiu seu país em 2009 com uma violenta discussão sobre eutanásia, o diretor construiu um painel de pequenas tramas paralelas que se desenvolvem a seu redor. O resultado nem sempre funciona, mas permite questionamentos interessantes.

Em 2009, Eluana Englaro tornou-se manchete de todos os jornais da Itália: em coma vegetativo há 17 anos, ela transformou-se em ícone de duas vertentes opostas de opinião quando sua família optou por desligar seus aparelhos. De um lado, ativistas pelos direitos da vida clamavam pela continuidade do tratamento que a mantinham viva; do outro, humanistas exigindo que ela pudesse finalmente descansar em paz, com uma morte digna e tranquila. No meio disso tudo, até senadores e o presidente Silvio Berlusconi se viram obrigados a tomar partido, através de uma votação que convulsionou a sociedade do país. Utilizando o drama de Eluana como pano de fundo, Bellocchio narra, então, quatro estórias ligadas tenuamente a ele. A primeira diz respeito às dúvidas do Senador Uliano Beffardi (Toni Servillo) em relação à questão: ainda traumatizado com a morte da esposa em situação semelhante, ele considera ir contra a decisão de seu partido e apoiar a família da jovem. Sua única filha, Maria (Alba Rohrwacher), não acredita em suas intenções e se envolve romanticamente com Roberto (Michele Riondino), cujo irmão violento e desequilibrado tem convicções opostas às dela.


Enquanto isso, a atriz Divina Madre (Isabelle Huppert) vive um drama pessoal bastante parecido com o de Eluana: sua filha Rosa também vive em estado vegetativo há anos, o que fez com que ela abandonasse uma consagrada carreira para dedicar-se a novenas e cuidados médicos. Sua escolha é a causa dos conflitos com o filho, Federico (Brenno Placido), que estuda para ser ator como os pais mas não compreende a devoção cega da mãe a uma situação irremediável. Por fim, o jovem médico Pallido (Pier Georgio Bellocchio) tenta impedir que a desiludida Rossa (Maya Sansa) cometa suicídio, mesmo que para isso tenha que ficar em constante vigília em seu quarto - o que acaba gerando uma candente discussão sobre esperança e a gratuidade da vida nos mesmos corredores onde Eluana espera a decisão judicial sobre seu destino.

O roteiro de "A bela que dorme" não procura a emoção que o tema pode sugerir. Ao contrário, muitas vezes soa bastante frio e cerebral em excesso. Quando se desvia de tal frieza consegue conquistar a plateia - em especial graças à atuação precisa de Toni Servillo - mas na maior parte do tempo passa apenas a impressão de estar sempre preparando um clímax que jamais acontece. Nem mesmo Isabelle Huppert, uma das maiores atrizes de sua geração, tem grandes chances de brilhar, presa a uma personagem que nunca se revela por inteiro - quando ela, dormindo, recita inconscientemente um trecho de "Macbeth", a potência de Huppert surge, mas desaparece em poucos minutos, em uma história cuja conclusão fica à cargo de um público que nunca teve a real oportunidade de encantar-se por ela. É um problema e tanto, que enfraquece muito um filme cuja potencialidade infelizmente não é atingida totalmente. Uma pena, já que o tema poderia render uma obra inesquecível.

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