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O MORDOMO DA CASA BRANCA

O MORDOMO DA CASA BRANCA (Lee Daniels' The Butler, 2013, AI-Film/Follow Through Productions/Salamander Pictures, 132min) Direção: Lee Daniels. Roteiro: Danny Strong, artigo "A butler well served by this election", de Wil Haygood. Fotografia: Andrew Dunn. Montagem: Joe Klotz. Música: Rodrigo Leão. Figurino: Ruth E. Carter. Direção de arte/cenários: Tim Galvin/Diane Lederman. Produção executiva: Len Blavatnik, James T. Bruce IV, Elizabeth Destro, Michael Finley, Aviv Giladi, Adonis Hadjiantonas, Vince Holden, Brett Johnson, Sheila Johnson, Jordan Kessler, Adam Merims, David Ranes, Matthew Salloway, Hilary Shor, Earl W. Stafford, Danny Strong, Bob Weinstein, Harvey Weinstein, R. Bryan Wright. Produção: Lee Daniels, Cassian Elwes, Buddy Patrick, Pamela Oas Williams, Laura Ziskin. Elenco: Forest Whitaker, Oprah Winfrey, David Oyelowo, Terrence Howard, Cuba Gooding Jr., Vanessa Redgrave, John Cusack, Jane Fonda, Alan Rickman, James Marsden, Robin Williams, Liev Schreiber, Mariah Carey, Lenny Kravitz, Alex Pettyfer, Jim Gleeson. Estreia: 05/8/13

Alguns filmes conquistam por seu valor artístico, por sua ousadia, criatividade e técnica impecável. Outros, no entanto, chegam ao coração da audiência por seus méritos emocionais, que prescindem de teorias ou análises mais profundas. Na segunda definição encontra-se "O mordomo da Casa Branca", filme do cineasta Lee Daniels, que já em seu filme de estreia, "Preciosa", arrebatou indicações ao Oscar de filme e direção. Inspirado em uma história real, o novo filme de Daniels retrata, em pouco mais de duas horas de duração, cinco décadas da história dos EUA, concentrando-se na luta pelos direitos civis da população negra - e contrapondo-a à dedicação do protagonista em servir os governantes do país independentemente da situação política.

Interpretado por Forest Whitaker em mais uma atuação esplêndida, Cecil Gaines é um herói silencioso e discreto, que acompanha as transformações sociais dos EUA de camarote: contratado como um dos mordomos da Casa Branca durante o mandato de Eisenhower (Robin Williams), ele segue à risca os conselhos que sempre recebeu durante sua educação como serviçal, mantendo-se invisível e apolítico mesmo quando as decisões políticas afetam diretamente seu povo - e principalmente sua família. Seu filho mais velho (muito bem interpretado por David Oyelowo), revoltado com a submissão a que a população negra é obrigada, junta-se aos ativistas que exigem mudanças - desde o pacifismo de Martin Luther King à violência dos Panteras Negras -, seu caçula, crédulo em seu governo, embarca para o Vietnã, e sua mulher, Gloria (Oprah Winfrey, extraordinária) se entrega à bebida como forma de lidar com a solidão. Muitas vezes incompreendido pelas pessoas que ama - que o julgam conivente com as desigualdades - ele não se furta a manter-se fiel às suas obrigações, o que acaba por torná-lo um homem de confiança de inúmeros presidentes.


A narrativa de Daniels é quadradinha, convencional, quase sem brilho. Porém, se o roteiro muitas vezes não consegue fugir do superficial - consequência inevitável da decisão de se contar tanta coisa em tão pouco tempo - ao menos mantém um ritmo que mantém a atenção do espectador sem fazer muito esforço. Didático na medida certa (para não afugentar aqueles que não conhecem a história americana a ponto de não precisar de legendas explicativas) e emocionante em diversos momentos - principalmente quando não tem medo de mostrar a extrema violência física e psicológica sofrida pelos negros - o filme pode até ser acusado de um certo maniqueísmo, mas tem a coragem de questionar a lealdade do protagonista ao mesmo tempo em que compreende sua ideologia de fidelidade extrema e absoluta: a cena em que pai e filho discutem violentamente sobre a imagem de Sidney Poitier (epítome do negro quase branco, aceito pelo mainstream americano nos anos 60 e renegado pelo ativismo radical justamente por esse motivo) é forte e exemplifica com perfeição a dubiedade dos sentimentos da família Gaines - além de permitir a Whitaker e Winfrey um de seus melhores momentos.

Aliás, se existe um outro grande motivo para se assistir a "O mordomo da Casa Branca" é o elenco reunido por Daniels: além de Mariah Carey (em uma participação mínima) e Lenny Kravitz - que já haviam trabalhado com o diretor em "Preciosa", o filme é um desfile de grandes atores em participações especiais (e muitas vezes com maquiagem que quase os deixa irreconhecíveis). É um prazer à parte ver nomes tão díspares quanto Alan Rickman, James Marsden, Liev Schreiber, John Cusack, Vanessa Redgrave, Cuba Gooding Jr., Terrence Howard e a sumida Jane Fonda em um filme com importância social tão fundamental - e não é difícil imaginar que sua inclusão no elenco tem muito a ver com suas próprias agendas políticas. É importante também perceber que o exagero do filme anterior do cineasta - o polêmico e exagerado "Obessão" - parece ter sido definitivamente enterrado, diante de uma obra tão carinhosa quanto essa.

"O mordomo da Casa Branca", ao contrário do apregoado, não tem nada a ver com "Histórias cruzadas", o superestimado que deu a Octavia Spencer o Oscar de atriz coadjuvante em 2012. Enquanto a obra de Tate Taylor era hipócrita a ponto de ter uma protagonista branca para salvar os negros oprimidos, o filme de Daniels dá aos próprios o poder de mudar sua história, lutando até o fim por seus direitos e enfrentando o sistema estabelecido. E se havia espaço para o humor escatológico e sem graça no primeiro, em "O mordomo" o registro é mais sério e apropriado ao tema. Pode não ser uma obra-prima, mas é comovente, relevante e redondinho. Merece ser apreciado por suas inúmeras qualidades.

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