sexta-feira

DÍVIDA DE HONRA

DÍVIDA DE HONRA (The homesman, 2014, ) Direção: Tommy Lee Jones. Roteiro: Tommy Lee Jones, Kieran Fitzgerald, Wesley A. Oliver, romance de Glendon Swarthout. Fotografia: Rodrigo Prieto. Montagem: Roberto Silvi. Música: Marco Beltrami. Figurino: Lahly Poore-Ericson. Direção de arte/cenários: Merideth Boswell/Wendy Ozols-Barnes. Produção executiva: G. Hughes Abell, Deborah Dobson Bach, Michael Fitzgerald, Tommy Lee Jones, Richard Romero. Produção: Luc Besson, Peter Brant, Brian Kennedy. Elenco: Tommy Lee Jones, Hilary Swank, Miranda Otto, John Litghow, James Spader, Grace Gummer, Meryl Streep, Hailee Steinfeld, William Fichtner, Sonja Richter, Tim Blake Nelson. Estreia: 18/5/14 (Festival de Cannes)

A primeira incursão de Tommy Lee Jones atrás das câmeras aconteceu em 2005, com o seco e agreste faroeste "Três enterros", e ator, vencedor do Oscar de coadjuvante por "O fugitivo" (93), mostrou-se um cineasta atento e sensível às necessidades de um gênero em constante mutação. Porém, demorou quase uma década - e outras duas indicações à estatueta da Academia, por "No vale das sombras" (07) e "Lincoln" (12) - para que Jones retornasse à cadeira de diretor, sintomaticamente com outro faroeste. No entanto, apesar de "Dívida de honra" compartilhar do mesmo universo de sua estreia, seu segundo filme tem um viés menos violento e mais contemplativo, reflexo de um fato raro no gênero: o olhar feminino não apenas como testemunha distante, mas sim como parte ativa do desenrolar da trama.  Baseado em um romance de Glendon Swarthout, "Dívida de honra" tem como um de seus protagonistas a determinada e solitária Mary Bee Cuddy, interpretada com a dedicação habitual de Hilary Swank em um papel que lhe rendeu os maiores elogios de sua carreira desde o Oscar por "Menina de ouro" (04).

Quem procura um faroeste como aqueles que fizeram a glória de John Ford, Sérgio Leone e Clint Eastwood certamente irá se decepcionar com "Dívida de honra", dono de um ritmo e de uma trama que dispensa tiroteios, sacrifícios heróicos e duelos ao sol - ainda que a fotografia extraordinária de Rodrigo Prieto faça sua parte de encantar o espectador.  A trama começa no Nebraska da segunda metade do século XIX, quando a independente e corajosa Mary Bee - solteirona que vê todas as suas tentativas de mudar de status fracassarem sistematicamente - aceita o desafio de levar três mulheres da região que mergulharam na loucura até Iowa, onde poderão ter um tratamento adequado. Assumindo uma missão que deveria ser masculina, ela se vê de uma hora para outra no meio dos descampados do oeste. No meio do caminho, ela dá de cara com George Briggs (Tommy Lee Jones), em vias de morrer enforcado por inimigos. Por ter salvo sua vida, ela propõe a Briggs que a acompanhe em sua viagem, como forma de protegê-la e às suas conterrâneas. Ele aceita a proposta - com o incentivo de um pagamento - e aos poucos surge uma espécie de amizade entre eles, dificultada pelo desejo ainda vívido de Mary Bee de casar-se.


Ao incutir na trama central de seu filme um olhar feminista, Tommy Lee Jones surpreende positivamente não apenas por dar voz a um gênero normalmente relegado a segundo plano na vasta filmografia sobre o Velho Oeste, mas também por abrir um leque de possibilidades dramáticas que tornam seu filme imprevisível. Assim como Katharine Hepburn e Humphrey Bogart se apaixonaram em "Uma aventura na África" - mesmo sendo a personagem de Hepburn uma religiosa renitente - também Mary Bee pode convencer o seco e mau-humorado George Briggs a vê-la não apenas como a fonte de um pagamento mas também como uma mulher, disposta a aceitá-lo como marido. Apesar de não ser o foco da narrativa, tal questão paira grandiosa sobre os personagens a cada momento, até que uma reviravolta muda a percepção da plateia, os planos de um dos dois e o desfecho da história - que conta com as participações mais do que especiais de Hailee Steinfeld (indicada ao Oscar de coadjuvante por outro western, "Bravura indômita", de 2010) e Meryl Streep, em um papel pequeno que lhe dá oportunidade de contracenar com a filha Grace Gummer, que vive uma das três mulheres desequilibradas conduzidas pela carroça de Mary Bee.

Um faroeste atípico mas realizado com alma e extremo talento na frente e atrás das câmeras, "Dívida de honra" consegue o feito de ser ainda melhor que o filme anterior de Lee Jones, "Três enterros", que tinha roteiro de Guillermo Arriaga (dos primeiros filmes de Alejandro Iñárritu) e um tom mais trágico e violento. Contemplativo e dotado de uma melancolia quase palpável, é um projeto maduro e sério, com a marca de seu diretor, um dos mais respeitados atores de sua geração e mais uma interpretação digna de nota de sua estrela, Hilary Swank. São os dois os grandes responsáveis pela qualidade inegável da obra. Para os fãs e os não-fãs do gênero é um grande programa.

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