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QUE MAL EU FIZ A DEUS?

QUE MAL EU FIZ A DEUS? (Qu'est-ce qu'on a fait au Bon Dieu?, 2014, Les Films du 24/TF 1 Films Production, 97min) Direção: Philippe de Chauveron. Roteiro: Philippe de Chauveron, Guy Laurent. Fotografia: Vincent Mathias. Montagem: Sandro Lavezzi. Música: Marc Chouarain. Figurino: Eve-Marie Arnault. Direção de arte/cenários: François Emmanuelli/Cécilia Blom. Produção: Roman Rojtman. Elenco: Christian Clavier, Chantal Lauby, Ary Abittan, Medi Saudon, Frédéric Chau, Noom Diawara, Elodie Fontan. Estreia: 16/4/14

Em uma época dominada pelo politicamente correto como a que vivemos, uma comédia calcada basicamente no preconceito contra diferentes raças pode parecer uma afronta. Porém, o cinema francês ainda parece um foco de resistência contra a falta de humor generalizada, e consegue, mesmo sem abrir mão do respeito às diferenças, fazer rir de um assunto extremamente delicado. Em "Que mal eu fiz a Deus?", o cineasta Philippe de Chauveron banha de ironia e sarcasmo uma história que, em mãos menos sutis poderia descambar facilmente para o vulgar ou o simplesmente sem-graça. Não poupando nenhum tipo de preconceito racial - uma chaga ainda maior na Europa do que no Brasil - o roteiro deita e rola contrapondo raças, religiões e diferenças culturais bem no centro de uma tradicional família francesa. O resultado é uma comédia acima da média, que, se não desperta gargalhadas como a recente "Qual é o nome do bebê?", ao menos tem o mérito de fazer rir sem apelar para o pastelão.

A trama se concentra na família Verneuil, cujo patriarca, Claude (Christian Clavier, fantástico), tem orgulho em declarar-se conservador e nacionalista. Sua esposa, a delicada Marie (Chantal Lauby) acompanha o marido em sua ideologia, dedicando-se também a um catolicismo ferrenho que a faz frequentar a missa e confessar-se regularmente. Quando o filme começa, a filha mais velha do casal, Odile (Julia Piaton) está se casando com o judeu David Benichou (Ary Abittan, muito parecido com George Clooney), para desgosto dos dois, que preferiam um genro católico. Para piorar a situação, sua segunda filha, Isabelle (Frédérique Bel) também escolhe um marido pouco apropriado aos desejos dos pais, e se casa com o muçulmano de origem argelina Rachid Benassem (Medi Sadoun). Como desgraça pouca é bobagem, a terceira filha, Ségolène (Emilie Caen, ótima) também surpreende a família ao casar-se com um chinês, Chao Ling (Frédéric Chau). A esperança do velho casal em ter um neto que se encaixe na sua ideia de tradicional acaba de vez quando a caçula, Laure (Elodie Fontan) anuncia seu casamento iminente com Charles Koffi (Noom Diawara): sim, ele é católico, mas é negro, e sua família da Costa do Marfim - especialmente seu pai - não é exatamente favorável à união do filho com uma francesa branca. Quando as duas famílias se encontram, para a realização da cerimônia, tudo pode acontecer.


O humor de "Que mal eu fiz a Deus?" é o oposto das comédias americanas - ou brasileiras - que procuram o riso da plateia a qualquer custo. Extremamente sutil, costurado com piadas inteligentes e um senso de ironia devastador, o roteiro acerta em cheio ao não vitimizar ou glorificar nenhum de seus personagens, dotando-os tanto de defeitos quanto qualidades. O próprio Claude é um homem aparentemente hostil com seus preconceitos arraigados, mas é um pai carinhoso e dedicado - e seus genros, que em tese seriam as vítimas da história tampouco se mostram inocentes, já que não perdem a oportunidade de fazer piadas ou alfinetar os cunhados, principalmente quando se unem para tentar impedir o casamento de Laure, que, segundo suas esposas, culminaria na piora da depressão de sua mãe. Ao mostrar que a única forma de realmente unir as diferenças é fazê-las encontrar uma outra ainda maior, de Chauveron expõe sem dó nem piedade uma sociedade que se pretende civilizada e moderna mas que na verdade ainda carrega dentro de si uma forte carga de racismo e intolerância - fato que os atentados ocorridos em Paris no final de 2015 apenas tristemente confirmaram.

E além do roteiro enxuto e corrosivo e da direção fluente, "Que mal eu fiz a Deus?" se beneficia também de seu elenco, bem escalado e com uma química invejável, sem elos fracos. Se Christian Clavier e Chantal Lauby comandam o espetáculo como o casal arrasado pelas escolhas das filhas, é preciso também aplaudir os jovens atores que lhes servem de escada. São eles, com suas particularidades, que oferecem substância a uma trama simples mas dona de uma honestidade e de uma contundência raras no gênero. E, ao optar por um final feliz, o diretor e roteirista afirma sua fé na humanidade e nas pessoas, encerrando seu bem-humorado discurso com leveza e

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