quarta-feira

A MÚMIA

A MÚMIA (The mummy, 1932, Universal Pictures, 73min) Direção: Karl Freund. Roteiro: John L. Balderston, estória de Nina Wilcox Putnam, Richard Schayer. Fotografia: Charles Stumar. Montagem: Milton Carruth. Figurino: Vera West. Direção de arte: Willy Pogany. Produção: Charles Laemmle Jr.. Elenco: Boris Karloff, Zita Johan, David Manners, Arthur Byron. Estreia: 22/12/32


Sucesso absoluto no papel da criatura em “Frankenstein” (31), de James Whale, o ator Boris Karloff não demorou a ter uma nova chance de mostrar seu talento em apavorar as suscetíveis plateias dos anos 30. Aproveitando o projeto da Universal de levar às telas histórias povoadas de monstros e assim conquistar o público ávido por tais personagens e ambientações, Karloff viu, apenas um ano depois de seu mais famoso papel ter chegado aos cinemas, seu nome estampado com destaque no cartaz de “A múmia”. No papel de Im-Ho-Tep – o personagem-título criado pelo roteirista John L. Balderston a partir de uma ideia já em desenvolvimento pelo estúdio e que a princípio seria inspirada em um profeta francês que alegava ter vivido por vários séculos – Karloff voltava a surpreender o público com um personagem fortemente dependente da maquiagem de Jack Pierce, mas dessa vez tinha a seu favor mais do que simples grunhidos. Uma pena, no entanto, que o resultado final não seja tão marcante quanto poderia ser a união de gente tão talentosa quanto o ator e o cineasta de primeira viagem Karl Freund.
De origem tcheca, Freund chegou em Hollywood em 1929, cheio de moral graças a seu trabalho em obras essenciais do expressionismo alemão, como “A última gargalhada”, de F.W. Murnau e “Metropólis”, de Fritz Lang. Como diretor de fotografia desses filmes, Freund havia demonstrado um estilo sofisticado e revolucionário, como movimentos inovadores de câmera e iluminação ousada, características de que também fez uso em sua estreia nos EUA, o clássico “Drácula” estrelado por Bela Lugosi. Sua primeira chance como diretor, porém, demonstrou que, por trás de um fotógrafo primoroso, existia um artista inseguro, que não tornou a vida de seus colaboradores muito fácil – que o diga a atriz principal do filme, Zita Johann. Considerada “difícil” por estúdios como a MGM e a RKO, Johann assinou contrato com a Universal para fazer um filme chamado “Laughing boy”, escrito por John Huston, mas acabou por ver o projeto cancelado depois de alguns estágios de produção: como devia um filme ao estúdio, acabou sendo escolhida para interpretar a mocinha de “A múmia”, um filme cujo roteiro tratava de assuntos que muito a interessavam, como reencarnação e ocultismo. O fato de que a cena mais importante a esse respeito – que explicava melhor a relação entre sua personagem e a múmia – acabou sendo cortada da edição final acabou sendo o menor de seus problemas, porém.


Segundo Johann, o medo de Freund em falhar logo em seu primeiro filme – cujo cronograma de filmagens era de exíguos 21 dias – o levou a escolhê-la como um possível bode expiatório. A partir daí, não faltaram oportunidades para que ele comprovasse sua pouca simpatia pela atriz. Não apenas ele a obrigava a jornadas de trabalho que chegavam a 12 horas e a impedia de ter uma cadeira com seu nome durante as pausas nas filmagens, como chegou a realizar uma sequência em que sua personagem, Helen Grosvenor, era obrigada a contracenar com leões de verdade – sem proteção! Tais rusgas de bastidores, no entanto, são detalhes que pouco interferem no filme em si. Contrariando uma espécie de regra da Universal – a de adaptar livros famosos com personagens monstruosos – “A múmia” é uma produção interessante pela presença de Boris Karloff e pelo tema inusitado, mas, a despeito de tudo (e da ambientação bem cuidada), é menos brilhante do que se poderia esperar. E a culpa não é nem de Freund nem de Johann.
O maior problema de “A múmia” é a falta de um protagonista carismático e de forte presença dramática. Boris Karloff faz o que pode, mas seu Im-Ho-Tep não tem a mesma intensidade de Drácula ou do monstro de Frankenstein – e nem mesmo parece fazer questão que isso aconteça. Quando o filme começa, em 1921, Im-Ho-Tep é uma múmia descoberta pelo inglês Joseph Whemple (Arthur Byron) em uma escavação no Egito. Para surpresa do veterano arqueólogo, a múmia ressuscita e rouba o pergaminho sagrado encontrado em seu sarcófago. Onze anos mais tarde, o filho de Whemple, Frank (David Manners) – que segue a carreira do pai – também vai até o país das pirâmides e é procurado pelo misterioso Ardath Bey, que lhe indica a localização exata onde está enterrada a filha do faraó Amenophis, a princesa Anck-Es-En-Amon. Realizado com a descoberta, Frank nem de longe desconfia que Bey é a própria múmia, que pretende utilizar o pergaminho para ressuscitar a princesa egípcia, com quem viveu uma trágica história de amor. O ritual, porém, acaba por hipnotizar Helen Grosvenor (Zita Johann) – a reencarnação de Anck-Es-En-Amon – e obriga Frank a tentar impedir o pior.
Sabe-se que muitas cenas do roteiro original acabaram ficando de fora da edição final – algumas inclusive chegaram a ser filmadas – e isso de certa forma explica a superficialidade da trama. A relação entre a múmia e Helen (ou suas encarnações anteriores) nunca são aprofundadas, privando o espectador de uma imersão maior na história. Prejudicado ainda pela falta de química entre Johann e David Manners (em tese o par romântico central), “A múmia” nem mesmo se aproveita de ter no elenco um ator do porte de Boris Karloff, que se esforça ao máximo para dar credibilidade a um personagem que nunca chega a atingir todo seu potencial – apesar da maquiagem convincente e do tom sempre correto de sua interpretação.

No final das contas, “A múmia” é um filme que sobrevive do clima impresso em cada fotograma e da personalidade fascinante de Karloff no papel principal. É o suficiente para quem procura um clássico do horror, mas não é tão bom quanto poderia ser levando-se em conta tudo que poderia ser.

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