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O CRIME NÃO COMPENSA

O CRIME NÃO COMPENSA (Knock on any door, 1949, Santana Picture Corporation, 101min) Direção: Nicholas Ray. Roteiro: Daniel Taradash, John Monks Jr., romance de Willard Motley. Fotografia: Burnett Guffey. Montagem: Viola Lawrence. Música: George Antheil. Figurino: Jean Louis. Direção de arte/cenários: Robert Peterson/William Kiernan. Produção: Robert Lord. Elenco: Humphrey Bogart, John Derek, George Macready, Allene Roberts. Estreia: 21/02/49


Nicholas Ray já teria seu nome marcado indelevelmente na história do cinema se tivesse se limitado a assinar “Juventude transviada”, ponto de nascimento do mito James Dean, em 1955. Seis anos antes, porém, ele já demonstrava sua predileção pelas angústias da mocidade angustiada. Em “O crime não compensa”, lançado em 1949 como estreia da companhia independente do ator Humphrey Bogart, a Santana, Ray deixava claro suas preocupações sociais em uma trama que não apenas mostrava Bogart em um papel atípico em sua carreira – um advogado a quilômetros de distância dos detetives cínicos e amorais que marcaram sua trajetória – como discutia um tema que não era exatamente um chamariz de bilheteria: a influência do meio na vida de uma juventude aparentemente sem alternativas que não a ilegalidade. Baseado em um romance de sucesso escrito por Willard Motley, o filme por pouco não fica marcado por ser também a estreia de outra lenda de Hollywood.

Impressionado com a atuação do jovem e então desconhecido Marlon Brando na montagem de “Uma rua chamada Pecado”, Humphrey Bogart, na condição de astro e produtor do filme, ofereceu a ele o segundo papel central do filme, o do delinquente juvenil Nick Romano, um rapaz cuja vida repleta de pequenas e grandes tragédias o leva ao banco de réus em um julgamento por homicídio. Já rebelde por natureza, Brando se interessou pelo mote do personagem – a famosa “Viva rápido, morra jovem e seja um cadáver atraente!” – mas acabou por declinar do convite e deixar o papel nas mãos de outro estreante, John Derek (Brando, como se sabe, chegou às telas de cinema justamente repetindo seu papel da peça de Tennessee Williams, em uma adaptação dirigida por Elia Kazan e lançada em 1951). Já tendo contratado Nicholas Ray para comandar seu filme – era um admirador da estreia do cineasta, “Amarga esperança” (48) – Bogart começou sua carreira como produtor com o pé direito. “O crime não compensa” é uma obra que não deixa nada a dever aos mais bem-sucedidos produtos semelhantes que fizeram a glória de um dos maiores estúdios de Hollywood.


Assim como os filmes de gângster produzidos pela Warner – e dos quais o próprio Bogart era um dos ídolos máximos – “O crime não compensa” mescla com destreza uma trama policial (que no final se revela apenas como pano de fundo para um drama com intenções mais nobres) e um estudo inteligente sobre a sociedade americana do pós-guerra. Mesmo distribuído pela Columbia, o filme de Ray não deixa de ter a identidade visual da Warner nos anos 40: a fotografia em preto-e-branco seca e eficiente, o tema relevante disfarçado por um enredo violento e, como o título sugere, um final de teor moralista (ainda que, como não poderia deixar de ser em se tratando de um filme de Nicholas Ray, bastante temperado com a controvérsia e a simpatia pelo lado menos conservador da sociedade). Bogart interpreta Andy Morton, um advogado bem-sucedido que é procurado pelo jovem Nick Romano (John Derek, que anos mais tarde se casaria com a “mulher nota 10” Bo Derek), acusado pelo assassinato de um policial. A princípio Morton recusa o caso, mas com a pressão de sua namorada – e assistente social – acaba assumindo a defesa do rapaz. No tribunal, ele se utiliza da história de vida de Romano para tentar livrá-lo da condenação.

Contado basicamente em flashbacks que explicam os motivos que levaram Romano à situação extrema em que ele se encontra, “O crime não compensa” envolve a plateia com personagens bem construídos e uma direção não intrusiva, que não tenta ser maior do que a própria história. Com seu estilo moderno e sensível, Nicholas Ray nitidamente demonstra simpatia por Nick Romano, mesmo que o personagem frequentemente cometa erros bastante condenáveis. Já Bogart, generosamente em segundo plano, serve como um guia para o público, comentando o itinerário do jovem protagonista com a experiência tanto de um ator com uma longa estrada quanto como um advogado calejado com os meandros nem sempre justos da justiça. Seu expressivo monólogo em defesa de Romano, nos últimos minutos – que deu dor de cabeça a um ator pouco acostumado a cenas tão longas e sem cortes – é um dos pontos altos do filme, comprovando sem margem para dúvidas que Ray, mais do que um mero cineasta, era um homem de cinema com coração de sociólogo.

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