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A PANTERA COR-DE-ROSA

A PANTERA COR-DE-ROSA (The Pink Panther, 1963, MGM Pictures, 115min) Direção: Blake Edwards. Roteiro: Maurice Richlin, Blake Edwards. Fotografia: Philip Lathrop. Montagem: Ralph E. Winters. Música: Henry Mancini. Direção de arte/cenários: Fernando Carrere/Reginald Allen, Arrigo Breschi, Jack Stevens. Produção: Martin Jurow. Elenco: Peter Sellers, David Niven, Robert Wagner, Capucine, Claudia Cardinale. Estreia: 18/12/63 (Itália)

Indicado ao Oscar de Trilha Sonora Original

Em Hollywood, acontece dessas coisas: "A pantera cor-de-rosa" era para ser um veículo para o britânico David Niven apresentar seu novo personagem, o fleumático ladrão de joias Charles Lytton, sério candidato a tornar-se protagonista de uma série de outros filmes, algo assim como uma versão cômica e fora-da-lei de James Bond. Para surpresa de todos, no entanto, quem acabou conquistando as plateias e a crítica não foi seu elegante larápio - apesar de sua atuação sempre exata - mas sim um personagem coadjuvante que, graças à inspiradíssima interpretação de seu ator, roubou a cena e ganhou, ainda no mesmo ano 1963, um filme só para si. O atrapalhado Inspetor Clouseau, que caiu nas mãos de Peter Sellers depois da deserção do ator original, Peter Ustinov, agradou tanto ao público que voltou meros três meses depois da estreia do primeiro filme, já como protagonista absoluto, no igualmente bem-sucedido "Um tiro no escuro" (64), que, por sua vez, rendeu outras três continuações e, até a data, duas refilmagens (com Steve Martin) e uma produção caça-níqueis estrelada pelo histérico Roberto Benigni.

A entrada de Peter Sellers no elenco de "A pantera cor-de-rosa" - cujos emblemáticos créditos de abertura contam com a música inconfundível de Henry Mancini e com a genial animação criada por David H. DePatie e Fritz Freleng - aconteceu quase por acaso, justamente devido a problemas de pré-produção tão comuns quanto providenciais. Contratado para viver o desastrado Inspetor Clouseau, o premiado Peter Ustinov já estava em Roma para começar as filmagens quando saiu abruptamente do projeto. Uma versão da história diz que o fato teve a ver com o processo movido pela Mirsch Company - que foi afastada da produção pelo ator - mas a que parece mais apetitosa (e a que foi mais divulgada com os anos) envolve fofocas de bastidores com gente mais graúda. Segundo sua autobiografia, Janet Leigh havia sido convidada para interpretar Simone Clouseau, a esposa do inspetor que caça um ladrão de joias pela Europa, mas declinou do convite por ter se casado recentemente (com seu quarto marido, Robert Brandt) e não ter a intenção de viajar. Os produtores, então, ofereceram o papel à Ava Gardner, que aceitou a proposta. Duas semanas antes do início das filmagens, porém, uma radical mudança de ideia alterou todos os planos: temendo que os caprichos de Gardner (e seu salário acima da média para um filme de orçamento modesto) pudessem complicar a vida de todos os envolvidos, a produção achou melhor optar por algo menos ambicioso e substituiu "o animal mais lindo do mundo" pela bela e (bem) menos famosa Capucine.


Tal substituição, em tese, não teria agradado à esposa de Ustinov, que via nela uma considerável diminuição nas ambições artísticas e comerciais do filme. Sendo assim, o ator pulou fora do barco, deixando espaço para o então desconhecido Peter Sellers, que agarrou a chance com unhas e dentes. Já durante as filmagens a equipe - e o diretor Blake Edwards - viram o potencial do personagem, expandido graças ao talento imenso de Sellers em improvisar em cima do material que lhe era oferecido. Com total liberdade para criar em cena, o ator acabou por transformar um coadjuvante engraçadinho em um dos maiores e mais famosos personagens da comédia norte-americana, com um humor estabanado e ingênuo que fazia rir mesmo em silêncio. Basta que se assista às suas cenas para que se perceba claramente que, apesar do roteiro inteligente e do elenco afiado, "A pantera cor-de-rosa" só resiste bravamente ao tempo por causa das palhaçadas do Inspetor Clouseau - em especial a genial sequência em que sua mulher tenta esconder dele, em um pequeno quarto de hotel, seu amante (David Niven) e o sobrinho (um jovem Robert Wagner), que está lutando para seduzí-la: é um momento genial do humor, que faz rir tanto pelo absurdo da situação quanto pelo talento dos seus atores em torná-la crível e extremamente divertida.

A história de "A pantera cor-de-rosa" é quase uma desculpa para o desfile de gags de Sellers e da elegância de David Niven, destilando seu charme inglês a cada cena. No filme, ele vive Sir Charles Lytton, um cavalheiro britânico que, sem que a polícia desconfie, é na verdade o procurado ladrão de joias conhecido como Fantasma. Quando a história começa, ele está planejando o grande golpe de sua carreira, o espetacular roubo da Pantera Cor-de-Rosa, um diamante de propriedade de uma princesa indiana (Claudia Cardinale) que está passando uma temporada em Roma. Na capital italiana, Lytton começa a por seu plano em prática, mas sem levar em consideração a perseguição do Inspetor Clouseau (Sellers), um policial francês cuja esposa, Simone (Capucine), é sua amante. A chegada à Roma de George (Robert Wagner), sobrinho do criminoso, complica ainda mais as coisas - especialmente quando Simone se revela parte do esquema armado por Charles. Todas as situações levam ao mesmo clímax: uma grande festa onde finalmente a polícia conseguirá (ou não) caçar um de seus maiores desafetos.

Com um roteiro caprichado nas mãos e um timing excepcional para comédias - o que demonstrava sua versatilidade, uma vez que vinha do denso e poderoso "Vício maldito" (62) - o diretor Blake Edwards deu o pontapé inicial em uma das mais populares séries cômicas do cinema americano e em uma parceria certeira com Peter Sellers, que também rendeu o impecável "Um convidado bem trapalhão" (68). Com seu brilhante senso de humor e confiança na inteligência da plateia, Edwards mostrou que fazer rir também é uma arte. E o público, agradecido, lotou as salas de cinema e deu vida longa ao atrapalhado Inspetor Clouseau.

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