sábado

TUDO O QUE VOCÊ SEMPRE QUIS SABER SOBRE SEXO E TINHA MEDO DE PERGUNTAR

TUDO O QUE VOCÊ SEMPRE QUIS SABER SOBRE SEXO E TINHA MEDO DE PERGUNTAR (Everything you always wanted to know about sex * but were afraid to ask, 1972, United Artists, 88min) Direção: Woody Allen. Roteiro: Woody Allen, livro de David Reuben. Fotografia: David M. Walsh. Montagem: Eric Albertson. Música: Mundell Lowe. Direção de arte/cenários: Dale Hennesy/Marvin March. Produção executiva: Jack Brodsky, Elliot Gould. Produção: Charles H. Joffe. Elenco: Woody Allen, Gene Wilder, Burt Reynolds, Lynn Redgrave, Louise Lasser, John Carradine. Estreia: 06/8/72

Uma noite, enquanto assistia a uma reprise do programa de televisão "The Tonight Show Starring Johnny Carson", Woody Allen viu o médico David Reuben responder a uma pergunta do jornalista com uma piada sua, dizendo que sexo só era sujo quando feito da maneira certa. Um tanto indignado com a falta de crédito pela brincadeira, Allen teve, então, uma ideia que era um misto de vingança divertida e uma forma de dar continuidade à sua então ainda incipiente carreira no cinema: utilizar o livro de Reuben - com o prepotente título "Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar" - como base para uma série de esquetes cômicos a respeito do assunto. Comprando os direitos da publicação, que estavam em poder da Paramount Pictures e do ator Elliot Gould (que ficou com o crédito de produtor executivo), Allen resolveu usar apenas o título do livro e de alguns capítulos e criar livremente sobre um tema extremamente popular, o que lhe rendeu um de seus maiores sucessos de público nos anos 70 - e logicamente desagradou ao doutor Reuben.

Se em seus filmes anteriores Allen ainda criava uma linha dramática - ainda que tênue - para contar suas piadas, em "Tudo o que você..." ele se livra de vez das amarras da narrativa tradicional para assumir sem medo seu objetivo de fazer rir descompromissadamente, sem preocupar-se em contar uma história com início, meio e fim (o que, de certa forma, deixava seus primeiros trabalhos um tanto irregulares). Sendo assim, ele convida a plateia a adentrar em um mundo surreal, que visita a Idade Média, o cinema existencialista italiano dos anos 60, a ficção científica de terror e os programas de entretenimento da televisão. Sem medo de brincar com tabus - homossexualidade, zoofilia, frigidez - o diretor/ator/roteirista pela primeira vez demonstra cuidado com outros aspectos da realização cinematográfica, como fotografia e edição, o que acabaria por refletir-se em seus filmes seguintes e lhe daria um Oscar em 1977 por "Noivo neurótico, noiva nervosa".


O filme começa com "Afrodisíacos funcionam?", segmento em que Allen interpreta um bobo-da-corte que, seguindo a orientação do fantasma de seu pai assassinado (citação explícita de "Hamlet"), resolve seduzir a Rainha (Lynn Redgrave) através de uma bebida afrodisíaca - e acaba esbarrando em um inesperado problema logístico que pode lhe custar a vida. Em seguida, é a vez de "O que é sodomia?", a surreal história de amor entre um médico, Doug Ross (Gene Wilder, brilhante), e uma ovelha - talvez o mais absurdo e engraçado dentre todos os pequenos contos. A terceira história é "Por que algumas mulheres não conseguem atingir o orgasmo?", homenagem de Allen ao cinema existencial de Michelangelo Antonioni, com ângulos criativos e um clima de densidade psicológica quebrada apenas pelo tom cômico impresso nos problemas conjugais entre um jovem casal (o diretor e sua ex-mulher Louise Lasser) que enfrentam a dificuldade da esposa em ter prazer em suas relações sexuais até finalmente descobrir a causa de tal questão. Logo depois, vem o bizarro "Travestis são homossexuais?", em que um pai de família tradicional e respeitável tem seu segredo (vestir-se de mulher às escondidas) revelado da maneira mais desagradável possível.

O filme segue com "O que são pervertidos sexuais?", em que Allen critica contundentemente os programas sensacionalistas de tv, retratando uma atração onde convidados tentam adivinhar a tara de pessoas alheias - e aqueles premiados tem seus desejos atendidos ao vivo. "Os experimentos dos médicos que fazem pesquisas sexuais são precisos?" mergulha o público em uma brincadeira com filmes de ficção científica trash ao contar as desventuras do pesquisador Victor Shakapopoulus (Allen) e da jornalista Helen Lacey (Heather Macrae) quando percebem que o famoso Dr. Bernardo (John Carradine), célebre por suas experiências na área da sexualidade, está criando um gigantesco seio que passa a aterrorizar uma pequena cidade local. Finalizando, "O que acontece na ejaculação" - curta que abriria o filme mas que foi deixado para o desfecho graças a vários conselhos que o consideravam o melhor segmento - mostra, de forma irônica, o funcionamento do organismo de um homem prestes a manter relações sexuais, desde o cérebro até seus espermatozoides, focalizando em um específico (também vivido pelo diretor), temeroso de seu destino fora do corpo. É um episódio genial, desde sua concepção até sua realização, divertida e inteligente, com a participação especial de Burt Reynolds.

No final das contas, "Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo e tinha medo de perguntar" é um dos mais bem-acabados filmes do início da carreira cinematográfica de Woody Allen. Equilibrando diálogos ágeis e espertos com a utilização competente das ferramentas do cinema, Allen deu um grande passo à frente, conquistando uma bilheteria razoável e o poder de realizar algumas de suas obras seminais da década de 70, que viriam logo após e o confirmariam como um dos mais importantes nomes de Hollywood. Mesmo com duas histórias fora do conjunto final - uma a respeito de masturbação, passada no período bíblico e outra sobre homossexualidade estrelada por um casal de aranhas - é uma comédia acima da média, que faz rir de um tema considerado complicado sem apelar para a baixaria ou a vulgaridade. Um clássico!

Nenhum comentário:

VAMPIROS DO DESERTO

VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein...