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O DONO DO JOGO

O DONO DO JOGO (Pawn sacrifice, 2014, Universal Pictures, 115min) Direção: Edward Zwick. Roteiro: Steven Knight, estória de Steven Knight, Stephen J. Rivele, Christopher Wilkinson. Fotografia: Bradford Young. Montagem: Steven Rosenblum. Música: James Newton Howard. Figurino: Renée April. Direção de arte/cenários: Isabelle Guay/Fred Berthiaume. Produção executiva: Kevin Frakes, Árni Bjorn Helgason, Mike Ilitch Jr., Dale Armin Johnson, Julie B. May, Glenn P. Murray, Josette Perrotta, Stephen J. Rivele, Raj Singh, Christopher Wilkinson. Produção: Gail Katz, Tobey Maguire, Edward Zwick. Elenco: Tobey Maguire, Liev Schreiber, Michael Stuhlbarg, Peter Sarsgaard, Lily Rabe. Estreia: 11/9/14 (Festival de Toronto)

Mais conhecido por produções grandiosas que retratam períodos históricos abalados por conflitos bélicos, como "Tempo de glória" (89), "Lendas da paixão" (94) e "O último samurai" (2003), o cineasta Edward Zwick deu um tempo no sangue e mudou um pouco a imagem com o romântico "Amor e outras drogas", estrelado por Jake Gyllenhaal e Anne Hathaway em 2010. Mesmo assim não deixa de ser uma surpresa que seja ele o nome por trás de "O dono do jogo", um filme que contrasta bastante com sua filmografia mais conhecida ao apostar no minimalismo como principal elemento. Ao contar a história real da maior disputa já travada no universo do xadrez, Zwick aposta em um viés político-social inusitado, que mistura drama psicológico, suspense e muitos elementos biográficos em uma trama que só não é mais interessante devido a um ritmo claudicante e sua indecisão em escolher seu principal foco narrativo. No mais, é um trabalho inteligente que demonstra a capacidade do diretor em transitar por diferentes gêneros cinematográficos.

O protagonista do filme é o mundialmente conhecido e celebrado jogador de xadrez Bobby Fischer, até hoje a maior lenda do esporte e um dos nomes mais admirados por especialistas e pelo público que, em 1972, no auge da Guerra Fria, tornou-se o maior símbolo da luta dos EUA contra o comunismo russo sem disparar um único tiro ou fazer sequer uma ameaça de ataques nucleares: como gênio enxadrista, Fischer desafiou o campeão mundial Boris Spassky e, em um campeonato repleto de lances dramáticos e torcidas fanáticas, estampou capas de revistas, frequentou noticiários virou ídolo nacional - tudo isso enquanto lidava com sérios problemas mentais que logo o fariam buscar o isolamento social e o auto-exílio. Interpretado por Tobey Maguire, que embarcou no projeto também como produtor logo que se apaixonou pela história, Fischer surge em cena como uma celebridade de personalidade instável e difícil, capaz de enervar tanto seu empresário, Paul Marshall (Michael Stuhlbargh), quanto seu mentor espiritual, o Padre Phil Lombardy (Peter Sarsgaard), que o acompanham em sua trajetória rumo à vitória. Dado a frequentes ataques de paranoia e agressividade que remetem à uma infância de convivência constante com a perseguição política aos comunistas, o rapaz que cresceu desafiando jogadores mais velhos e experientes tem a chance de sua vida ao bater de frente com o regime soviético, representado pela figura de seu maior campeão. Vivido com excelência pelo cada vez melhor Liev Schreiber, o herói russo é o contraponto total de Fischer: centrado, calmo e pouco afeito a estrelismos. Sua rivalidade não é apenas no xadrez: o que está em jogo em suas disputas é a imagem que o mundo terá de seus países a partir de um simples campeonato de xadrez.


É difícil imprimir emoção e suspense em jogos de xadrez, mas Edward Zwick consegue quase o impossível ao fazer com que o público consiga sentir, pelo menos em parte, a atmosfera de tensão e expectativa que cercava cada partida. Com o apoio da edição criativa de Steven Rosenblum (seu parceiro habitual), o diretor mergulha a plateia em um período muito especial da história norte-americana - já castigada pela Guerra do Vietnã - para fazê-la compreender toda a extensão do conflito entre Fischer e Spassky. Experiente condutor de atores - por suas mãos Denzel Washington ganhou seu primeiro Oscar, como coadjuvante por "Tempo de glória" - Zwick não hesita em arrancar o melhor de seus intérpretes, oferecendo à Toby Maguire momentos bastante intensos na pele do complicado protagonista e à Liev Schreiber mais uma oportunidade de mostrar que é um dos atores mais subestimados de Hollywood. Ainda que deixe de lado o sempre ótimo Peter Sarsgaard (com um personagem pouco explorado), o filme tem a seu favor o cuidado na reconstituição de época e a seriedade com que trata seus temas, nunca escorregando na caricatura ou no exagero (mesmo que Maguire, vez ou outra, esbarre em alguns tons excessivos). Essas qualidades, porém, não impedem que seu maior problema seja bastante perceptível até mesmo ao mais distraído espectador: afinal, qual é o principal foco de "O dono do jogo"?

Não é errado que um filme trate de diversos assuntos ao mesmo tempo, principalmente quando esses temas estão conectados. O problema do roteiro de "O dono do jogo", porém, é que seus temas, apesar de intimamente ligados, não conseguem dialogar um com o outro de forma satisfatória. Em vez da fusão orgânica de suas tramas - os problemas psicológicos de Fischer; sua relação com a família; a disputa do campeonato mundial - o filme as apresenta quase como independentes entre si, sem uma conexão consistente ou empolgante entre elas. A impressão que se tem é que qualquer uma das subtramas poderia ser um filme diferente, tendo apenas os personagens como ligação. Essa falta mais significativa de elos entre os focos narrativos acaba enfraquecendo o resultado final e tornando o filme um entretenimento de qualidade, sim, mas longe de ser a produção memorável que poderia ser. Além do mais, seu desfecho - a partida final do campeonato mundial - é morno e anti-climático, responsabilidade que pode ser dividida entre o roteiro que tenta abraçar mais do que consegue e a direção que não dá conta de tanta indecisão. No final das contas, "O dono do jogo" é apenas um filme ok. Bobby Fischer e suas conquistas ainda estão esperando por uma produção à altura.

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