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O ÚLTIMO JANTAR

O ÚLTIMO JANTAR (The last supper, 1995, Columbia Pictures, 92min) Direção: Stacy Title. Roteiro: Dan Rosen. Fotografia: Paul Cameron. Montagem: Luis Colina. Música: Mark Mothersbaugh. Figurino: Leesa Evans. Direção de arte/cenários: Linda Burton/Dea Jensen. Produção executiva: David Cooper. Produção: Matt Cooper, Larry Weinberg. Elenco: Cameron Diaz, Ron Eldard, Annabeth Gish, Jonathan Penner, Courtney B. Vance,  Bill Paxton, Ron Perlman, Nora Dunn, Charles Durning, Jason Alexander. Estreia: 08/9/95 (Festival de Toronto)

Poucos gêneros são tão subestimados no cinema quanto a comédia de humor negro: frequentemente incompreendidas pela plateia (mesmo quando incensadas pela crítica), elas acabam sendo relegadas a segundo plano, como um meio-termo entre o pastelão que lota os cinemas e as comédias mais sofisticadas que costumam ganhar um ou outro prêmio da Academia. É justamente nesse nicho de mercado que se situa "O último jantar", pequena pérola lançada no Festival de Toronto de 1995, passou praticamente em branco pelas telas e ainda não teve a sorte de ser descoberta pelo grande público. Em tempos sombrios como o que vivemos, não deixa de ser confortante perceber que ainda existe gente capaz de pensar com clareza e sobriedade sobre os perigos do radicalismo social e político. Tratando o assunto com leveza e imparcialidade, o roteiro de Dan Rosen leva o espectador a questionar as próprias certezas - e de quebra, dá seu tiro de misericórdia com um toque de ironia espetacular, que abala qualquer alicerce politicamente correto.

Dirigido por Stacy Title - que depois deu seguimento à carreira com filmes de terror - "O último jantar" é uma comédia de sutilezas, que aposta basicamente em uma única situação para levar seu humor até as últimas consequências. Quem comanda a trama é um grupo de estudantes universitários de tendências políticas liberais e que dividem uma casa em uma pequena cidade do estado de Iowa que está com os nervos à flor da pele graças ao desaparecimento de uma criança. Inteligentes, articulados e bem informados, os cinco amigos tem o costume de receber para jantar, todos os domingos, pessoas com quem possam discutir assuntos polêmicos e relevantes - e assim manter o pensamento crítico e a mente aberta. Em uma noite particularmente chuvosa, porém, a rotina é quebrada involuntariamente quando o convidado é o desconhecido Zach (Bill Paxton), que deu carona a um deles, Pete (Ron Eldard), em seu caminhão. Durante a refeição, Zach não apenas se mostra totalmente contrário a tudo que eles pensam como também se torna agressivo e violento, o que resulta em um trágico assassinato. A princípio apavorados com a situação, aos poucos os amigos resolvem enterrar o corpo no quintal e esquecer o assunto. Tudo estaria relativamente em paz se o acontecimento não lhes desse uma bizarra ideia: e se, ao invés de apenas conversar com aqueles que tem pensamentos contrários aos seus eles os envenenassem?


A partir daí, o filme de Title vira uma sinistra brincadeira, onde os protagonistas escolhem suas prováveis vítimas entre as criaturas mais conservadoras e desprezíveis da região para tentar, sempre em vão, demovê-las de suas ideias pequenas e salvá-las de uma morte que elas nem sabem que está à espreita. Um padre (Charles Durning) que culpa os homossexuais pela AIDS, um machista radical (Mark Harmon) que prega a supremacia masculina e um feroz ativista contra o meio-ambiente (Jason Alexander) são alguns dos desavisados que caem nas mãos dos cada vez mais justiceiros companheiros de cruzada, que, subitamente, passam a entrar em conflito interno. Considerando que estão indo longe demais, Jude (Cameron Diaz, antes de ser catapultada para a fama) tenta fazer os amigos pararem com as execuções, mas encontra resistência principalmente em Luke (Courtney B, Vance), que considera seus atos como pura justiça. A situação só piora de vez quando, devido ao atraso de seu voo, uma celebridade controversa e extremamente perigosa (Ron Perlman) senta-se à mesa do grupo - e subverte completamente o roteiro da noite.

Ao elaborar um filme que, além de divertir, desperta questionamentos de extrema importância - afinal, o que diferencia os fascistas dos ditos "liberais"? - "O último jantar" dá um passo à frente em comparação com as comédias normalmente acéfalas que normalmente chegam ao mercado. Mesmo que não se aprofunde nos debates que provoque (o que não é sua intenção, diga-se de passagem), o roteiro faz o próprio espectador por em xeque suas convicções e certezas absolutas. Com um humor certeiro e nunca apelativo, o filme encontra na direção eficiente e simples de Stacy Title a comandante ideal - a cineasta jamais tenta sobrepujar sua história com malabarismos desnecessários de câmera ou artifícios de edição. Sua condução da trama é simples e clássica, contrastando inteligentemente com os tons surreais do roteiro. Com um elenco coeso - o resto do grupo de protagonistas é formado pelo casal Paulie (Annabeth Gish) e Marc (Jonathan Penner) - e um tema contundente, "O último jantar" deveria ser obrigatório.

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