sexta-feira

AS SUFRAGISTAS

AS SUFRAGISTAS (Suffragette, 2015, Ruby Films/Pathé/Film4, 106min) Direção: Sarah Gavron. Roteiro: Abi Morgan. Fotografia: Edu Grau. Montagem: Barney Pilling. Música: Alexandre Desplat. Figurino: Jane Petrie. Direção de arte/cenários: Alice Normington/Barbara Herman-Skelding. Produção executiva: Nik Bower, Rose Garnett, Cameron McCracken, Teresa Moneo, Tessa Ross, James Schamus. Produção: Alison Owen, Faye Ward. Elenco: Carey Mulligan, Helena Bonham-Carter, Anne-Marie Duff, Ben Whishaw, Brendan Gleeson, Meryl Streep, Romola Garai. Estreia: 04/9/15 (Festival de Teluride)

Tinha tudo para ser um daqueles filmes que a Academia de Hollywood adora e enche de estatuetas douradas: uma história socialmente relevante, um elenco com nomes já lembrados em outras ocasiões (Carey Mulligan, Helena Bonham-Carter, Meryl Streep), um tema de grande importância sociopolítica (os direitos das mulheres) e uma reconstituição de época caprichada. No entanto, "As sufragistas" - filme que tem como foco narrativo a luta das mulheres inglesas pelo direito ao voto, no começo do século XX - acabou passando batido pelas cerimônias de premiação e naufragou nas bilheterias, apesar dos elementos que poderiam ter feito dele um vencedor. Não deixou de ser um tanto injusta essa esnobada absoluta: por mais que o filme da cineasta Sarah Gavron esteja longe da perfeição, é consistente o bastante para levantar discussões e comparações com a fragilizada sociedade ocidental contemporânea. Além disso, ainda apresenta mais uma ótima atuação de Carey Mulligan, perfeita no papel principal e mais uma vez se mostrando uma das melhores atrizes de sua geração. Dono de um timing perfeito de lançamento, falta à "As sufragistas" um pouco mais de uma contundência que lhe poderia tornar muito maior.

A estrutura do roteiro de Abi Morgan segue uma linha narrativa bastante tradicional, inserindo uma protagonista fictícia em um contexto real: Carey Mulligan, caprichando no tom suave de sua personagem, interpreta Maud Watts, uma jovem londrina que, em 1912, trabalha no insalubre ambiente de uma lavanderia, assim como fazia sua mãe e da mesma forma que fazem muitas mulheres de sua geração, que se dividem entre o lar e um sub-emprego que não lhes dá nem ao menos o direito ao voto. É justamente essa questão que se põe no caminho de Maud quando ela se vê repentinamente próxima de Violet Miller (Anne-Marie Duff), uma das maiores entusiastas do movimento sufragista inglês - e que trabalha a seu lado, incentivando a participação de todas as mulheres na militância. Mesmo contra a vontade do marido, Sonny (Ben Whishaw), que não vê com bons olhos a participação feminina na política e especialmente a de sua mulher em questões consideradas masculinas, Maud acaba se envolvendo cada vez mais nos comícios, nas passeatas e nas discussões parlamentares a respeito do assunto - e quando chega a participar de atos considerados terroristas, corre o risco de perder a guarda do único filho.


O problema de "As sufragistas" nem é tanto o didatismo do roteiro ou a indecisão entre enfatizar a luta feminina pelo direito ao voto (retratada na figura carismática da líder do movimento, Emmeline Pankhurst, vivida rapidamente por Meryl Streep) ou os dilemas de sua protagonista - um símbolo da luta contra o machismo e a sociedade patriarcal que lhe oprime desde a infância, quando era abusada pelo patrão. Sempre que a cineasta opta por sequências que ilustram a violência da repressão do Estado contra as mulheres, seu filme demonstra fragilidade técnica, com uma edição que mais esconde do que mostra e por vezes soa confusa e sem energia. Por outro lado, quando o foco é o olhar melancólico e expressivo de Carey Mulligan, a produção cresce em emoção e atinge o objetivo de alcançar o espectador e torná-lo cúmplice de sua narrativa. Para isso, Mulligan conta com o apoio de Helena Bonham-Carter em uma atuação discreta mas poderosa, que foge de seus trabalhos mais conhecidos ao lado do ex-marido Tim Burton: sua composição de uma mulher que enfrenta o machismo da sociedade de cabeça erguida e peito aberto é, talvez, uma das melhores de sua carreira, infelizmente ignorada pela Academia que já havia lhe indicado duas vezes ao Oscar (melhor atriz por "Asas do amor", em 1998, e coadjuvante por "O discurso do rei", em 2011). A química entre ela, Mulligan e Anne-Marie Duff é a maior força do filme de Sarah Gavron - o que não deixa de ser coerente de se dizer a respeito de uma obra que fala justamente sobre o poder da união entre mulheres.

Com apenas um longa para cinema no currículo (o pouco visto "Brick Lane", de 2007), Sarah Gavron dá um grande passo à frente na carreira, com uma produção correta e socialmente relevante, estrelada por nomes fortes e sem maiores escorregões. Não criou uma obra com o impacto que se poderia esperar de um tema tão contundente, mas foi feliz ao não apelar para o melodrama exagerado ou o panfletarismo barato. Equilibrado em suas intenções (ainda que por vezes um tantinho aquém do que se poderia desejar em ênfase), Gavron se mostrou uma diretora sensível, inteligente e capaz de explorar com sutileza o talento de seu excepcional elenco. "As sufragistas" é um filme de grande importância, e se não é um grande e inesquecível filme, ao menos levanta questões e provoca reflexões a cada dia mais prementes em um mundo progressivamente conservador. Vale mais pela intenção do que pelo resultado, mas jamais pode ser considerado ruim ou insignificante.

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