sexta-feira

O CORPO

O CORPO (El cuerpo, 2012, Antena 3 Films/Canal + España, 108min) Direção: Orion Paulo. Roteiro: Orion Paulo, Lara Sendim. Fotografia: Oscar Faura. Montagem: Joan Manel Vilaseca. Música: Sergio Moure de Oteyza. Figurino: Maria Reyes. Direção de arte/cenários: Balter Gallart/Nuria Muni. Produção executiva: Pepes Torrescusa. Produção: Mercedes Gamero, Mikel Lejarza, Joaquín Padró, Mar Targarona. Elenco: José Coronado, Belén Rueda, Hugo Silva, Aura Garrido, Miquel Gelabert. Estreia: 04/10/12

Na primeira cena, um homem corre apavorado, sob uma chuva torrencial, e é atropelado na estrada, indo parar no hospital, em coma com diversas fraturas graves que o impedem de revelar às autoridades o motivo pelo qual ele abandonou seu posto como vigia de um necrotério de forma tão atribulada. Chamado para investigar o caso, o detetive Jaime Peña (José Coronado) descobre, logo que chega ao local, outro fato bastante estranho: o desaparecimento do corpo da empresária Mayka Villaverde Freire (Belén Rueda), recentemente vítima de um ataque cardíaco fatal. O necrotério se localiza perto de um bosque fechado, chove abundantemente e a sala onde ficam os cadáveres está trancado por dentro, o que deixa tudo ainda mais nebuloso. Sem saber por onde começar a investigação, Jaime chama o viúvo, Álex Ulloa Marcos (Hugo Silva) - e assim tem início um dos mais engenhosos e inteligentes filmes de suspense realizados pelo cinema espanhol. Dirigido e coescrito pelo jovem Oriol Paulo, "O corpo" é um daqueles filmes de prender a atenção da primeira à última cena - e deixar o espectador abismado com uma reviravolta final consistente e verossímil. Graças a um roteiro enxuto que equilibra sustos e personagens bem construídos, o público se vê mergulhado em uma trama onde nada é exatamente o que parece - e absolutamente qualquer diálogo tem importância fundamental no desenvolvimento do enredo.

A chegada de Álex ao necrotério - onde se vê à disposição do interrogatório de Jaime, desconfiado por alguma razão das declarações do viúvo - dá o pontapé inicial para um jogo de gato e rato dos mais instigantes. Jaime é um personagem rico em nuances: viúvo e com uma relação complicada com a filha que vive em Berlim, ele não consegue levar a vida adiante de maneira saudável, e vê no trabalho uma válvula de escape para seu drama particular. Certo de que Álex sabe mais do que aparenta em relação ao sumiço do corpo da esposa, ele não se permite falhar em sua caça à verdade - e o jovem, casado com uma mulher mais velha e poderosa, dá todos os motivos do mundo para que o veterano policial desconfie de suas atitudes. Conforme a ação avança, a plateia é informada de que ele vive um tórrido romance com Carla Miller (Aura Garrido) - e que tal caso extraconjugal pode ter relação com a morte de Mayka. Qual a conexão entre todos esses elementos é o grande trunfo do roteiro, que encontra na direção certeira de Paulo a tradução mais adequada. Como um herdeiro de Alfred Hitchcock - e qual diretor de filmes de suspense não o é? - o cineasta constrói uma teia de pistas falsas, informações desencontradas e personagens suspeitos para brindar a plateia com um entretenimento de primeira qualidade, que em nada fica a dever a produções hollywoodianas muito mais ambiciosas.


É óbvio, porém, que o elenco ajuda bastante. Belén Rueda desfila sua classe e charme na pele da sedutora milionária Mayka Villaverde, sempre mesclando doçura, paixão e um tom de mistério; Hugo Silva está à vontade como o pouco confiável Álex, um homem que pode ser tanto culpado quanto vítima; e José Coronado é a terceira peça fundamental do trio de protagonistas, um homem despedaçado por uma tragédia familiar que vê em sua obsessão em provar a culpa de Álex uma válvula de escape que pode levá-lo em direção a um caminho sem volta, perigoso e chocante. Oriol Paulo conduz seus atores com extrema precisão, arrancando de cada um deles o máximo de tensão com o mínimo de informações, desnorteando o espectador até os últimos minutos, quando o quebra-cabeças finalmente faz sentido - não de forma artificial como acontece na maioria dos filmes de trama preguiçosa, mas organicamente, com as pontas sendo amarradas com uma maestria digna de Agatha Christie. Como em uma peça de teatro milimetricamente arquitetada, os atores forjam uma sintonia que envolve o público até que ele esteja totalmente entregue às viradas da trama - no que são muito auxiliados pela trilha sonora discreta e eficiente e pela edição ágil na medida certa: não apressa os acontecimentos nem tampouco abusa de cenas longas e explicativas.

Uma gratíssima surpresa para fãs do gênero, "O corpo" é um filme que pode ser visto e revisto diversas vezes sem que nunca perca sua qualidade dramática. Mesmo que seu final já seja conhecido, o público pode acompanhar suas diversas camadas sempre descobrindo novos detalhes e aplaudindo a conjunção perfeita entre direção, elenco, roteiro e técnica. Em uma filmografia tão centrada em dramas e comédias como a espanhola, não deixa de ser um respiro louvável e uma demonstração de extrema inteligência e criatividade. Um filme imperdível!

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